“O eleitor está muito passional”, afirma cientista político
A diferença percentual do primeiro colocado para o segundo é de 15 pontos. Bolsonaro (PSL) chega aos 40% das intenções de voto e Haddad (PT) está com 25%, segundo o Datafolha 6 de outubro de 2018 Taís PatezNeste domingo, 7 de outubro, os brasileiros vão às urnas para eleger o próximo presidente do país. Muitas dúvidas ainda pairam sobre os eleitores, mas o número de indecisos é menor nesta reta final: 2% do total de eleitores, segundo a última pesquisa Datafolha, realizada na última quinta-feira, 4. A pesquisa aponta ainda que 10% do eleitorado pretende votar em branco ou nulo.
A polarização da eleição é mais um elemento que complica a escolha do voto. Em entrevista ao Avoador, o cientista político e professor do curso de Ciências Sociais da Uesb, Matheus Silveira Lima, esclarece alguns pontos sobre as eleições 2018 e desenha possíveis cenários de primeiro e segundo turno, confira na íntegra.
Cenário político atual
M.S – Esse é um momento em que está vindo à tona um conjunto de acontecimentos de uma conjuntura que vem se desenrolando desde a última eleição. Em 2014, já se tinha a eleição com maior acirramento político, partidário e ideológico, desde a redemocratização. Essa eleição resultou na escolha de Dilma Rousseff como presidente do país e uma posterior contestação do processo eleitoral, e em todo um processo que culminou no impeachment que os partidários de Dilma qualificaram como um Golpe de Estado.
Se até então Dilma era contestada, toda a contestação passa a vir dos partidários de Dilma em relação ao Michel Temer, diferentemente do que aconteceu no impeachment de Collor, que tão logo o governo de Itamar Franco iniciou fez um pacto entre direita e esquerda. Não houve então uma perspectiva real de contestação, de modo que se deu a transição até 1994, quando se teve eleições cuja normalidade não foi contestada.
“Esse é um momento em que está vindo à tona um conjunto de acontecimentos de uma conjuntura que vem se desenrolando desde a última eleição”
O impeachment de Dilma é o acirramento de posições políticas, na medida em que se consuma a substituição de Dilma por Temer. Ao invés de cessar o acirramento político, como aconteceu com Collor e Itamar, ele se amplia, e aí nós temos uma série de elementos que pioram a crise, como o aprofundamento da operação Lava Jato e a emergência de elementos até então estranhos à democracia, nomeadamente, uma judicialização da política, que provém da atuação do Ministério Público e da Polícia Federal. Dentro desse cenário, chegamos a eleição de 2018, como sendo uma eleição ainda mais polarizada do que em 2014, e com sintomas de crise de legitimidade em diversas instituições, como parlamento e Poder Judiciário.
É um quadro muito complicado, que a simples ida às urnas, me parece que pode não resolver. O teor dessa eleição que se apresenta como polarizada, embora o PT defenda que não seja tão radical à esquerda como Bolsonaro é a direita, se manifesta na constituição de dois polos onde você não tem um meio termo que consiga dialogar em termos relativos com os anseios do eleitor mais à esquerda e à direita. Se confirmando esse cenário de segundo turno, de fato, essas eleições tendem a aprofundar e tornar o quadro ainda mais difícil.
“O teor dessa eleição que se manifesta na constituição de dois polos onde você não tem um meio termo que consiga dialogar em termos relativos com os anseios do eleitor mais à esquerda e à direita”
Marina, Ciro, Alckmin
M.S – Em termos numéricos, o que as pesquisas indicam é que não há [possibilidade dos candidatos acima irem para o segundo turno]. Entretanto, as pesquisas têm demonstrado falhas nos últimos anos e alguns erros graves. Esses erros podem vir de manipulação ou apenas da aplicação de métodos que já não conseguem mais captar a realidade. Somado a isso, temos um setor amplo da sociedade que tem demonstrado rejeição aos dois polos que estão hegemônicos neste momento e que, porém, não sinalizou nas pesquisas que esse descontentamento com a polarização pudesse ir todo para uma candidatura, e pudesse chegar ao segundo turno. Mas no momento da eleição, o eleitor pode mudar o voto. Eu avalio que isso ainda está em aberto.
“As pesquisas têm demonstrado falhas nos últimos anos e alguns erros graves”
Indecisos
M.S – Temos os indecisos, mas também temos o voto que não é convicto e pode ser mudado. Essas duas realidades talvez perpassam um terço do eleitorado. Se esse terço se movimentar, proporcionalmente, para um dos candidatos, também pode ser decisivo. Mas há outros elementos que a gente não pode desconsiderar. Parte do eleitorado de Bolsonaro, até por parte de todas as campanhas negativas que ele sofre, pode ser um eleitorado como o de Trump, nos Estados Unidos, que seria um voto envergonhado – aquela pessoa que não tem motivação de ficar expressando publicamente seu voto, mas como o voto é secreto, na hora H vota em Bolsonaro.
Eu imagino que o voto em Bolsonaro, possivelmente, vai extrapolar todas as previsões nas pesquisas, havendo sinais de que a candidatura de Bolsonaro deve se robustecer na reta final. Não se deve descartar que haja um voto útil em torno de um candidato que demonstre, sobretudo nos debates, que tenha mais habilidade de enfrentar Bolsonaro no segundo turno e vencê-lo.
“Eu imagino que o voto em Bolsonaro, possivelmente, vai extrapolar todas as previsões nas pesquisas”
Nesse sentido, Fernando Haddad não está totalmente seguro de que vá para o segundo. Isso contraria todas as análises, mas sobrevém de duas questões: o histórico falho de pesquisas eleitorais nas últimas eleições, e os elementos atípicos da eleição. O eleitor está muito passional, e isso torna a previsibilidade mais difícil.
- Transferência de votos
M.S – Até o momento, o que a gente tem são as intenções de transferência de votos. No caso de Lula, se pontificava que ele tinha um terço do eleitorado, quase metade, e até mais desse pretenso eleitorado de Lula, de fato, foi transferido para Haddad. Mas isso ainda vai se verificar nas urnas. Tem todos os ‘poréns’ que eu coloco em relação às pesquisas de intenção de voto. Haddad pode ter mais ou pode ter menos.
É difícil fazer uma análise política que tenha como eixo central as pesquisas de intenção de voto, mas se irmos por um campo mais amplo da teoria política, um dos livros mais importantes sobre o funcionamento da democracia, de Anthony Downs, fala sobre o contexto eleitoral dos EUA, e ele sugere que pode ser generalizado para outras grandes democracias de massa, onde podemos encaixar o Brasil.
Ele diz que um terço do eleitorado é tradicionalmente de esquerda, um terço é de direita, e um terço oscila entre outras variáveis, não só a ideológica – interesse imediato, questões pessoais, de valores, etc. Portanto, esse percentual que sinalizava a votação em Lula não foi inteiramente transferida porque uma parte foi para a candidatura de Ciro Gomes, outra para a de Guilherme Boulos, e também uma parcela do eleitorado de Marina vem desse um terço historicamente identificado com a esquerda. Essa transferência para Haddad já era previsível, seria maior se não houvesse a candidatura de Ciro.
Segundo turno
M.S – O horário eleitoral vai ter um peso maior [no segundo turno] porque serão só dois candidatos com tempos iguais, ao mesmo tempo que também terá uma agenda de debates em várias TV’s, entre os dois candidatos. A audiência costuma ser alta, e no terreno desse debate vai haver uma confrontação entre ideologias e valores: a candidatura de Haddad tentando trazer temas mais ideológicos, referentes a programas do governo Lula, que trouxe benefícios pra classe trabalhadora; a questão da reforma trabalhista que ele promete revogar; a questão da reforma previdenciária que ele promete não fazer, enfim, ele vai sinalizar que a classe trabalhadora teria vantagens num governo seu, e tentar jogar na candidatura de Bolsonaro uma ideia de cortes de direito do trabalhador.
“O horário eleitoral vai ter um peso maior no segundo turno porque serão só dois candidatos com tempos iguais”
Bolsonaro, por sua vez, vai operar num quadro mais de valores, ou seja, cobrará de forma visceral os inúmeros processos de corrupção que envolvem o tempo de permanência do PT à frente da presidência, escândalos ligados a Petrobrás, superfaturamento de obras, o conluio com empreiteiras (…), e claro, o que é recorrente nesse campo ideológico da direita, que é estabelecer uma responsabilização de Dilma em relação à crise econômica, que começou a se desenhar em 2014.
Penso que o discurso de Bolsonaro vai se pautar muito em torno disso, e que deve criar dificuldades para a candidatura de Haddad, porque a candidatura deste se associa muito com Lula, mas vem escondendo a referência a Dilma. É possível que num segundo turno, ele seja forçado a se confrontar com esse legado.
Não é possível ainda se desenhar quem poderá sair vencedor, porque a presença de Bolsonaro no segundo turno, de antemão, eu já interpreto que vai trazer uma grande carga de passionalidade. Os afetos estarão aflorados, e isso vai comprometer o debate racional sobre as eleições.
Governo da Bahia
M.S – A diferença [entre Rui Costa (PT) e Zé Ronaldo (DEM)], primeiro e segundo colocado), é tão grande que é difícil em qualquer cenário se desenhar uma reviravolta, inclusive pela própria natureza das eleições estaduais. Elas não mexem tanto com valores, ideologias, posicionamentos políticos cristalizados, de tal modo que, pelo quantitativo do eleitorado de Rui (cerca de 61% segundo Datafolha), não é difícil imaginar que vai ter muita gente que vai votar em Bolsonaro e no próprio Rui Costa.
Foto destacada: Taís Patez/Site Avoador