Denúncias de campanha em templos e igrejas devem aumentar nas eleições municipais, diz advogado eleitoral
Embora o abuso de poder religioso não seja previsto em lei, as regras em vigor estabelecem punições para candidatos que cometem irregularidades e abusos 10 de outubro de 2020 Mariama CorreiaPúlpitos não podem ser usados como palanques. É o que diz a legislação eleitoral (Lei 9.504/97), que proíbe propaganda de candidatos dentro de igrejas e templos religiosos no Brasil. Esses espaços são classificados como bens de uso comum, assim como cinemas, ginásios e estádios. Por isso, quem pede voto durante atos religiosos – de qualquer religião – pode ser punido com multas de R$ 2 mil a R$ 8 mil.
Como a lei não reconhece o abuso de poder religioso – a criação dessa tese foi defendida pelo ministro Edson Fachin, do STF (Superior Tribunal Federal), mas foi derrubada pela maioria dos magistrados – situações onde candidatos usam a religião para conseguir votos, e que ultrapassam o escopo da propaganda irregular, têm sido enquadradas pela Justiça Eleitoral como práticas de abuso de poder econômico ou político.
Os abusos podem ser punidos com cassação do mandato ou da candidatura. Mas nem sempre isso acontece. Nas últimas eleições a Justiça Eleitoral recebeu mais de 200 denúncias de propaganda religiosa irregular, algumas delas relacionadas à campanha do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A maioria das denúncias foi arquivada.
Apesar da impunidade, a tendência é que a Justiça Eleitoral receba mais denúncias desse tipo durante as eleições municipais, na opinião do advogado eleitoral Fernando Neisser. Ele conversou com a Agência Pública sobre limites e punições para campanhas políticas dentro de templos.
Durante as campanhas é comum ver candidatos visitando templos e fazendo reuniões com líderes religiosos. E, com as restrições para eventos impostas pela pandemia, a gente imagina que atividades religiosas – incluindo celebrações online e presenciais – podem se tornar palanques ainda mais disputados pelos candidatos este ano. Em termos de campanha política, o que de fato é permitido ou não em um templo religioso?
A legislação diz que não pode fazer propaganda eleitoral em espaços de uso comum. Isso engloba teatros, cinemas e também templos religiosos. O pastor falar no púlpito sobre um candidato, por exemplo, é propaganda irregular, é proibido. O mesmo artigo que proíbe isso, também proíbe de botar santinhos nos balcões da padaria ou do cinema. É uma irregularidade punida com pagamento de multa e proibição. Além das irregularidades, a lei ainda prevê situações de abuso.
As irregularidades são punidas com multas, como disse, e os abusos, que são mais graves, podem gerar a cassação do mandato ou da candidatura. Como o abuso de poder religioso ainda não é previsto, a lei pune abuso de poder político, econômico e o uso indevido de meio de comunicação social. As ações judiciais sobre esses abusos são mais complexas, levam mais tempo. Também são mais subjetivas, porque partem de um conceito aberto.
Você pode especificar melhor quais são os critérios para enquadrar como abuso o uso da religião para ganhar votos?
Púlpitos não podem ser usados como palanques. É o que diz a legislação eleitoral (Lei 9.504/97), que proíbe propaganda de candidatos dentro de igrejas e templos religiosos no Brasil. Esses espaços são classificados como bens de uso comum, assim como cinemas, ginásios e estádios. Por isso, quem pede voto durante atos religiosos – de qualquer religião – pode ser punido com multas de R$ 2 mil a R$ 8 mil.
Como a lei não reconhece o abuso de poder religioso – a criação dessa tese foi defendida pelo ministro Edson Fachin, do STF (Superior Tribunal Federal), mas foi derrubada pela maioria dos magistrados – situações onde candidatos usam a religião para conseguir votos, e que ultrapassam o escopo da propaganda irregular, têm sido enquadradas pela Justiça Eleitoral como práticas de abuso de poder econômico ou político.
Os abusos podem ser punidos com cassação do mandato ou da candidatura. Mas nem sempre isso acontece. Nas últimas eleições a Justiça Eleitoral recebeu mais de 200 denúncias de propaganda religiosa irregular, algumas delas relacionadas à campanha do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). A maioria das denúncias foi arquivada.
Apesar da impunidade, a tendência é que a Justiça Eleitoral receba mais denúncias desse tipo durante as eleições municipais, na opinião do advogado eleitoral Fernando Neisser. Ele conversou com a Agência Pública sobre limites e punições para campanhas políticas dentro de templos.
Durante as campanhas é comum ver candidatos visitando templos e fazendo reuniões com líderes religiosos. E, com as restrições para eventos impostas pela pandemia, a gente imagina que atividades religiosas – incluindo celebrações online e presenciais – podem se tornar palanques ainda mais disputados pelos candidatos este ano. Em termos de campanha política, o que de fato é permitido ou não em um templo religioso?
A legislação diz que não pode fazer propaganda eleitoral em espaços de uso comum. Isso engloba teatros, cinemas e também templos religiosos. O pastor falar no púlpito sobre um candidato, por exemplo, é propaganda irregular, é proibido. O mesmo artigo que proíbe isso, também proíbe de botar santinhos nos balcões da padaria ou do cinema. É uma irregularidade punida com pagamento de multa e proibição. Além das irregularidades, a lei ainda prevê situações de abuso.
As irregularidades são punidas com multas, como disse, e os abusos, que são mais graves, podem gerar a cassação do mandato ou da candidatura. Como o abuso de poder religioso ainda não é previsto, a lei pune abuso de poder político, econômico e o uso indevido de meio de comunicação social. As ações judiciais sobre esses abusos são mais complexas, levam mais tempo. Também são mais subjetivas, porque partem de um conceito aberto.
Você pode especificar melhor quais são os critérios para enquadrar como abuso o uso da religião para ganhar votos?
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Caracteriza abuso de poder econômico, por exemplo, o uso abusivo de dinheiro da instituição religiosa ou de meio de comunicação ligado a essa instituição. Como disse, existe muita subjetividade. Não tem um marcador financeiro, uma regra que diga que a partir de determinado valor caracteriza abuso de poder econômico. Precisa ser “grave”, o que é outro conceito subjetivo. Isso faz com que as situações sejam avaliadas caso a caso pela Justiça Eleitoral.
O fato do abuso de poder religioso não ser previsto na legislação atrapalha o julgamento dos casos?
Sempre se tentou encaixar os casos envolvendo religião em situações tradicionais de abusos. Por exemplo, uma igreja que usa uma rádio religiosa para fazer campanha poderia ser enquadrada como uso indevido de meio de comunicação social. Uma igreja que faz um jantar para promover campanha de político poderia ser enquadrada em abuso de poder econômico.
Nos últimos anos, quando os religiosos passaram a ter uma atuação mais intensa na política partidária, começou a ser discutido o abuso de poder religioso puro. O mero fato de alguém abusar de uma posição de autoridade religiosa poderia ser suficiente para causar a cassação do mandato ou da candidatura. O ministro do STF, Edson Fachin, entendeu que quando a lei fala de abuso de autoridade ela não estaria se limitando ao poder político, mas essa tese, por hora, não foi suficiente para os magistrados.
Então, a jurisprudência é: uma propaganda feita dentro de igreja é proibida, mas se não tiver envolvimento de meios de comunicação, recursos financeiros em grande quantidade, não caracterizaria abuso, ou seja, não levaria à cassação de candidaturas.
Essa subjetividade atrapalha a punição? Por exemplo, nas últimas eleições, a maioria das mais de 200 denúncias de campanhas em templos foi arquivada pela Justiça Eleitoral. Houve alguma mudança na legislação, desde a última eleição, para que possamos esperar outro cenário este ano?
Não há nenhuma mudança, a legislação é a mesma. O maior empecilho que se tem é que na maioria das vezes as condutas ilegais são escondidas. As pressões tendem a acontecer de forma mais oculta. Quando um líder religioso pede votos para um candidato no meio de uma cerimônia religiosa, é mais fácil de gravar, de denunciar. O que geralmente ocorre é uma abordagem mais velada.
Quando a gente fala da questão religiosa, existe uma pressão social do grupo onde a pessoa está inserida para que não denuncie. Muitas vezes a pessoa é pressionada, existe uma barreira social. Porém, as situações devem ser denunciadas para que sejam punidas.
Você acha que a legislação eleitoral está defasada para punir as irregularidades que vemos hoje?
O tema é complexo. Por exemplo, em seções eleitorais indígenas, é comum que se tenha debates em aldeias e o cacique determine quem é o candidato a ser apoiado.
Claro que a autoridade do cacique não é eletiva, mas a autoridade dele é reconhecidamente forte. Então é um tema complexo, não inclui apenas pastores e padres. Já se está falando de abuso de poder algoritmo nas plataformas de internet. Nesses casos, se você tem muitos recursos financeiros envolvidos em uma ação online, dá pra encaixar com abuso de poder econômico, mas se não há, como você trata? Não pode ser abuso de meio de comunicação social, porque só se enquadram rádios e TVs.
O mundo moderno trouxe novas formas de influenciar e o processo eleitoral não acompanhou essas mudanças.
Este ano, considerando essa realidade de falta de punição e os entraves que você apontou, devem chegar menos ou mais denúncias à Justiça Eleitoral?
As eleições municipais devem gerar mais denúncias porque a pequena liderança religiosa local muitas vezes não está vinculada a debates políticos nacionais, mas está muito aos locais. Não tenho dúvida que vai ter mais, mesmo com todos os entraves para punição dos casos.
Esta entrevista foi publicada originalmente na Agência Pública de Jornalismo Investigativo.