Gestão municipal da saúde pública é alvo de denúncias
Há problemas com remédios em falta nos postos de saúde, o lixo hospitalar, o pagamento do Hospital São Vicente e o corte do Tratamento Fora de Domicílio (TFD) 27 de setembro de 2019 Gabriela Oliveira, Luana Figueredo e Talita DiasDesde agosto de 2019, o sistema público de saúde de Vitória da Conquista têm sido alvo de denúncias sobre a falta de medicamentos nos postos, a coleta inadequada do lixo hospitalar, o estoque de medicações fora do prazo de validade, falta de pagamento ao Hospital São Vicente e o corte de passagens para pacientes que necessitam de tratamento fora da cidade, o TFD (Tratamento Fora de Domicílio). Além dos mais de 341 mil habitantes de Conquista, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), moradores de cidades vizinhas de toda a região Sudoeste e do norte de Minas Gerais são atendidos pelas unidades de saúde do município.
No bairro Campinhos, os postos de saúde não disponibilizam para a população os medicamentos receitados pelos médicos. *L.C. Sousa, estudante e prestadora de serviços de limpeza, disse que chega às 5h da manhã para conseguir uma ficha de atendimento que é distribuída apenas às 8h e, depois da consulta, ainda precisa se deslocar até outro bairro para buscar os remédios. “Quando o médico passa algum remédio, a gente tem que buscar no posto do bairro Brasil, que é o lugar que tem mais medicamento. Eu tentei pegar os remédios para gastrite do meu pai no Campinhos, mas só tinha no bairro Brasil, e quando a demanda é grande, falta lá também”, contou.
Também houve denúncias de falta de medicamentos na Unidade Básica de Saúde (UBS) João Melo, no bairro Ibirapuera. No dia 28 de agosto, o ex-vereador Antônio Ricardo Babão, em sessão na Câmara Municipal de Vitória da Conquista, alertou que remédios como ibuprofeno, amoxilina, dipirona e omeprazol não estavam disponíveis no estoque. Além disso, o posto de saúde também estaria sem acesso à internet, o que impossibilitava a marcação de consultas.
Em nota ao Avoador, a Prefeitura de Conquista, por meio da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), informou que a UBS do bairro Ibirapuera “recebeu os medicamentos mensais como de rotina, mas, devido a uma procura maior e atípica dos usuários, alguns medicamentos ficaram em falta na unidade”. Segundo a SMS, a reposição dos medicamentos foi solicitada e eles foram entregues dentro do cronograma de distribuição.
Sobre a falta de internet na UBS para a marcação de consultas e exames, a SMS disse, também por meio de nota, que houve um problema técnico com a antena e, por isso, foi preciso solicitar uma nova que será instalada em breve. A Secretaria de Saúde informou ainda que não há prejuízos para a população porque todos os pedidos são encaminhados diretamente para a central de marcação do município.
De acordo com a presidente da Comissão de Saúde, a vereadora Viviane Sampaio, queixas sobre a dificuldade de marcar consultas e exames e a falta de medicamentos nos postos de saúde se intensificaram desde o final de 2018. Para ela, uma das causas de tantos problemas é a descontinuidade da política pública de saúde, o que ocorre, entre outros motivos, por causa da frequente troca de secretários de saúde na gestão do prefeito Herzem Gusmão (PMDB). “Isso traz uma descontinuidade para o serviço porque quando o secretário de saúde está pegando o ritmo do trabalho, ele acaba saindo do cargo. Toda a rede fica comprometida e, por Conquista ser esse polo, acaba comprometendo toda a região”, afirma a vereadora. Em três anos de gestão, a pasta de saúde do município já teve quatro secretários. Ceres Almeida, Juca Fernandes, Ramona Cerqueira e Regina Lúcia Máximo de Carvalho Nascimento, que assumiu de forma interina, foram os antecessores de Alexsandro Nascimento Costa, que ocupa o cargo atualmente.
A saúde pública no Brasil é dividida em três níveis de atenção: básico, média e alta complexidade. No primeiro, conhecido como porta de entrada no SUS (Sistema Único de Saúde), estão os postos de saúde onde acontece o agendamento de exames simples como os laboratoriais, raio x e ultrassom. Hospitais e Unidades de Pronto Atendimento (UPA) estão no nível de média complexidade, lá são oferecidos serviços especializados para diagnóstico de doenças mais graves. No terceiro e último nível, casos de alta complexidade são atendidos em hospitais de grande porte quando o paciente necessita de internação e exames mais elaborados como tomografia e ressonância.
Para Viviane, o maior desafio atual na saúde pública da cidade é a expansão da rede de atendimento de média e alta complexidade e a ampliação e reestruturação da rede de atenção básica em saúde. Segundo a vereadora, os prestadores de serviço têm relatado dificuldade em receber o pagamento da Secretaria Municipal de Saúde, embora o Fundo Nacional de Saúde (que gere os recursos destinados ao SUS) deposite a verba de forma adequada. “O atual prefeito Herzem Gusmão criticava muito a cobertura de atenção básica da gestão anterior, e nesses quase três anos de governo, nós não tivemos avanço na cobertura de saúde da família”, finalizou.
Remédios vencidos e o lixo hospitalar
Em 2017, a Comissão de Saúde da Câmara Municipal recebeu denúncias de medicamentos vencidos e acúmulo de lixo hospitalar nos postos de saúde de Conquista. No dia 22 de agosto, os vereadores Viviane Sampaio, presidente da Comissão, e Cícero Custódio, relator, visitaram o almoxarifado central da Prefeitura para verificar a situação. “Fomos surpreendidos pela quantidade de medicamentos que estavam armazenados. Não só pela armazenagem, mas principalmente pela perda, porque é recurso público”, disse a vereadora Viviane Sampaio (PT).
O financiamento da Assistência Farmacêutica, sistema que garante à população o acesso a medicamentos considerados essenciais, é dividido entre os governos federal, estadual e o municipal. De acordo com a presidente da Comissão de Saúde, o recurso federal é depositado em dia, mas a Secretaria Municipal alega que os remédios chegam na cidade perto da data do vencimento. Trata-se, portanto, também de um problema de gestão porque “se eu sou responsável pelo município e estou recebendo medicamentos com tempo próximo de vencimento, que eu sei que minha rede não comporta, eu acho que eu não tenho que receber. Eu tenho que devolver para o ente originário”, explicou a vereadora.
A Comissão de Saúde solicitou as notas fiscais de medicamentos vindos dos governos estadual e municipal para comparar as datas de validades. Ela disse ainda que é preciso entender se as três esferas governamentais estão realmente cooperando financeiramente para que esses medicamentos cheguem até o usuário ou se há um problema de licitação.
No ano em que ocorreram as denúncias, em 2017, não havia uma empresa para realizar a coleta do lixo hospitalar nas unidades do município. Mas, segundo a presidente da Comissão de Saúde, ainda hoje existem postos sem depósito adequado para descarte desse material, como é o caso da Unidade de Saúde da Família do Simão, no bairro Campinhos. No local, dois tonéis de lixo hospitalar estavam dispostos do lado externo da unidade, que fica ao lado da Creche e Escola Municipal Zélia Saldanha.
Para Viviane Sampaio, a situação é grave e representa um risco muito grande. “Não tem muro que separe a escola da unidade, então isso é extremamente perigoso, porque trata-se de lixo hospitalar, que é infectado e contaminado. Qualquer criança, ou alguma pessoa da comunidade, por curiosidade, pode ter acesso a esse material”, disse.
Por meio de nota enviada ao Avoador, a Secretaria Municipal de Saúde (SMS) explicou que o contrato com a empresa que realizava o serviço de coleta de resíduos sólidos das Unidades Básicas de Saúde foi encerrado. O órgão teve que abrir um novo processo, que por conta de impugnações, atrasou a nova contratação. Ainda de acordo com a SMS, o serviço de coleta já foi restabelecido e, por causa destes problemas anteriores, “foi orientado às unidades que todo material descartado, dentro daquele período, fosse lacrado e acondicionado em locais fora de circulação dos pacientes”.
Hospital São Vicente de Paulo suspende atendimentos pelo SUS
Não são apenas as Unidades Básicas de Saúde do município que enfrentam dificuldades nos últimos meses. O Hospital São Vicente de Paulo, de caráter público-privado, atende por meio do SUS (Sistema Único de Saúde) com repasses de recursos da Prefeitura Municipal de Vitória da Conquista. No início de setembro de 2019, o hospital suspendeu parcialmente o atendimento do serviço público da unidade por causa de atrasos no recebimento de verba. Segundo informações do Blog do Sena, foram mantidos apenas os atendimentos para pacientes conduzidos pelo SAMU 192 e aqueles em estado grave e gravíssimo.
A Secretaria Municipal de Saúde (SMS) informou, em nota, que o atendimento realizado por meio do SUS no Hospital São Vicente já havia sido restabelecido, e que “a suspensão dos serviços na unidade de saúde ocorreu por decisão unilateral”. A SMS disse ainda que “os serviços prestados pela Instituição estão passando por um processo de auditoria. Sendo que, atualmente, os serviços faturados no mês de julho são alvos da auditoria”.
A SMS disse também que o valor mensal pago ao Hospital São Vicente é feito de forma integral e varia de acordo com a quantidade de serviços prestados por mês. A nota emitida pela Prefeitura não esclarece os motivos para o atraso nos repasses.
Segundo informações publicadas pelo blog Blitz Conquista no dia 21 de setembro, após a suspensão no início do mês de parte das atividades pelo SUS no hospital, a Prefeitura fez um acordo com a instituição e se comprometeu a realizar um dos pagamentos em atraso no dia 20 do mesmo mês. No entanto, o pagamento não foi efetuado e os profissionais terceirizados, há dois meses sem receber salários, voltaram a suspender parte do atendimento e a realização de cirurgias eletivas.
Corte de passagens para Tratamento Fora de Domicílio (TFD)
Pacientes de média ou alta complexidade da rede pública de saúde têm direito a passagens terrestres e aéreas para dar continuidade ao seu tratamento fora do município, caso os recursos locais não sejam suficientes, é o chamado Tratamento Fora de Domicílio (TFD). Em Vitória da Conquista, desde de o mês de maio deste ano, as passagens aéreas foram cortadas. No final de agosto, as terrestres também foram suspensas.
Amanda Alves Santos, mãe dos gêmeos Eliseu e Elias que nasceram prematuros, depende desse transporte para continuar o tratamento de um dos filhos. Durante a internação, Elias teve uma parada respiratória que causou uma lesão no lado direito do cérebro, o que provocou hemiplegia, paralisia em um lado do corpo. A criança precisa ir a Salvador de 15 em 15 dias para cuidar da saúde. “Não tem como esperar porque a gente precisa das viagens, é um tratamento que não pode ser interrompido e a gente fica aqui nesse impasse, com o coração na boca, com medo da gente ter que parar com o tratamento”, disse a mãe de Elias.
Outra mãe que passa pelo mesmo problema é Joana Silva Santos que precisa do TFD para cuidar da filha Kemilly, uma paciente ainda sem diagnóstico. Ela precisa levar a filha à capital baiana no dia 1º de outubro para receber o resultado de um exame que pode esclarecer qual é a doença. Ao se dirigir à Secretaria Municipal de Saúde com 15 dias de antecedência, prazo mínimo exigido para a concessão do benefício, ela foi informada de que não havia passagens disponíveis e foi orientada a retornar no fim do mês de setembro. Joana acredita que mesmo retornando não conseguirá as passagens. “De todo jeito, eu tenho que ir [para Salvador], não posso perder a consulta dela porque é difícil de marcar, e se perder fica mais difícil ainda”, desabafou.
A presidente do Conselho Municipal de Saúde, Monalisa Barros, afirma que o orçamento destinado ao tratamento fora de domicílio teve um acréscimo de 30%, porém, no mês de agosto, a quantia disponível já havia esgotado. Além disso, o contrato com a empresa que fornecia as passagens chegou ao fim. Ela disse ainda que foi informada pelo secretário de saúde, Alexsandro Nascimento Costa, que a nova empresa responsável pela emissão de passagens está em processo de licitação e que ele está tentando realocar verbas de outros setores para o Tratamento Fora de Domicílio (TFD) para acolher as demandas o mais rápido possível.
Para a vereadora e presidente da Comissão de Saúde, Viviane Sampaio, o município recebe verbas regularmente do governo federal, e por isso, deve encontrar uma alternativa para a questão do transporte. “Segundo o que nós tivemos conhecimento pelas famílias, é a falta de passagem, então se não tem as passagens por falta de processo licitatório, ou questão de orçamento, que se busque outras alternativas de transporte, como o próprio transporte da secretaria para levar essas famílias”.
Em nota, a Prefeitura afirmou que o problema com as passagens ocorreu por um aumento maior do que o programado na demanda. Segundo as informações fornecidas ao Avoador, o TFD atende em média 300 pessoas por mês na cidade, com uma verba mensal de R$ 133.300,00, e esse orçamento busca assistir o máximo de pessoas possível. A Prefeitura não comentou sobre a denúncia protocolada no Ministério Público Federal por uma das mães que solicita o TFD.
Como funciona o Tratamento Fora de Domicílio (TFD)
De acordo com o § 1º do Art. 1º da Portaria SAS / MS nº 055/1999, o Tratamento Fora de Domicílio (TFD) é uma alternativa para casos em que os recursos para tratamentos de média e alta complexidade se esgotem no município de residência do paciente e ele necessite de atendimento médico especializado em outra cidade ou, até mesmo, em outro estado. O TFD consiste no fornecimento de benefícios para que esse paciente consiga dar continuidade a seu tratamento, desde que haja possibilidade de cura total ou parcial.
As despesas permitidas pelo TFD são aquelas relativas a transporte aéreo, terrestre e fluvial; diárias para alimentação e pernoite para paciente e acompanhante, caso seja comprovada a necessidade de um, devendo ser autorizadas de acordo com a disponibilidade orçamentária do município/estado. A solicitação de TFD deve ser feita pelo médico que assiste o paciente nas unidades vinculadas ao SUS e autorizada pela comissão nomeada pelo respectivo gestor municipal/estadual, que solicitará, se necessário, exames ou documentos que complementem a análise de cada caso. Quando aprovado, o setor administrativo do TFD confirma e agenda a viagem.
Ilustração: Secretaria da Saúde da Bahia
Foto de capa: Blog do Anderson