Professores da zona rural de Conquista podem perder 20% dos salários em meio à crise da covid-19
Porcentagem corresponde ao incentivo adicional destinado a profissionais que atuam na zona rural, conforme estabelecido em Lei Municipal 21 de abril de 2020 Da RedaçãoPara a professora da rede municipal, Maria Gamaliélia, o prefeito Herzem Gusmão “não tem compaixão” pelos profissionais da educação do campo em meio à pandemia da covid-19. Ela e todos os demais trabalhadores que residem na zona urbana de Conquista, mas atuam na área rural do município, podem ter cortadas suas gratificações por exercício do cargo fora dos limites urbanos da cidade. O valor corresponde a 20% do salário que recebem atualmente e é regulamentado pela Lei Complementar n° 1.786/2011, que dispõe sobre o Regime Único dos Servidores Públicos Municipais.
Os professores foram notificados do corte na segunda semana do mês de abril pelas Secretarias Municipais de Educação (Smed) e de Administração (Semad). A medida irá valer enquanto estiver em vigor o Decreto nº 20.190/2020, que suspendeu, temporariamente, as atividades letivas presenciais de toda a rede municipal de ensino, por conta da pandemia do novo coronavírus. A ação do poder executivo local deixou Maria Gamaliélia preocupada, já que ela não possui reserva financeira.
“Minha filha é bailarina e está com uma lesão no quadril e desenvolveu uma pequena escoliose, e sente muitas dores. Tenho que pagar pilates e quiropraxista. Sem o incentivo, como vou pagar o nosso plano de saúde?”, contou ela, que trabalha há 17 anos como professora da educação pública conquistense. A professora ressaltou ainda que o dia a dia para os profissionais do campo é complicado, pois precisam lidar com meios de transportes sucateados, escolas com estruturas antigas, salas superlotadas e “merenda escassa e inadequada”. Além disso, não contam com o auxílio de monitores escolares.
Os professores do campo já enfrentam também outras questões específicas da categoria. Segundo Maria, “ com três anos sem reajuste salarial, só temos perdas”. E esse é um dos dilemas que a sua colega de profissão, Viviane Gama, docente municipal há 13 anos, também relatou. Só que ela acrescenta ainda outra questão: o fato deles não estarem parados, já que o município adotou a modalidade de Educação à Distância (EaD) durante a pandemia.
“Ao mesmo tempo que lançam uma plataforma que está fora da realidade dos alunos do campo e da rede como um todo, exigindo nossa participação com os alunos, cortam nosso incentivo. Isso é contraditório, uma vez que, o próprio prefeito decretou o fechamento das escolas por conta do covid-19. Não é correto retirar direitos de trabalhadores em época de pandemia”, afirmou.
Viviane ainda questionou o porquê do que chamou de “preconceito com o trabalhador do campo”, citando o princípio da isonomia, que rege a Constituição Federal de 1988. Os argumentos para esse questionamento, de acordo com ela, não são justificáveis.
Em nota enviada ao Avoador, a Secretaria Municipal de Administração (Smad) explicou que a gratificação pelo exercício do cargo em zona rural só é válida “apenas enquanto o servidor estiver nesta situação. Ou seja, somente enquanto o servidor estiver exercendo sua atividade na zona rural”, o que, ressalta a Secretaria, não está ocorrendo por conta da suspensão das aulas.
Perdas futuras
A presidente do Sindicato do Magistério Municipal Público de Vitória da Conquista (Simmp), Ana Cristina Novais, argumentou que a aceitação desse corte pode levar a perdas futuras, como, por exemplo, o corte dos incentivos durante o período de férias. A SEMAD disse que o incentivo adicional voltará a ser incluído ao salário dos profissionais do campo após o retorno das atividades letivas presenciais, ainda sem previsão.
Para o professor Zeferino Teixeira, que trabalha há 21 anos no município, medidas como essa acarretam na falta de estímulo para trabalhar remotamente. “Continuo sendo cobrado a fazer, mandar e orientar atividades para os alunos”. As perdas salariais e as dificuldades diárias enfrentadas na educação do campo, segundo ele, já promovem esse desgaste. Problemas com recursos didáticos, acesso à internet pelos alunos dentro e fora da escola, entre outros, são recorrentes, relembrou Zeferino.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) dispõe no Artigo 28 que, “na oferta de educação básica para a população rural, os sistemas de ensino promoverão as adaptações necessárias à sua adequação às peculiaridades da vida rural e de cada região”, garantindo um programa didático específico e adaptado. E verbas federais também garantem merenda e transporte, por meio do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) e do Programa Nacional de Transporte Escolar (Pnate).
No entanto, nos últimos dois anos, muitas escolas da zona rural foram fechadas e os alunos foram deslocados para outros prédios, fazendo com que as salas superlotassem. E os problemas com a distribuição da merenda escolar e com a licitação do transporte escolar também afetaram a rotina dos estudantes. Por isso, a presidente do Simmp, Ana Cristina, diz que é “até natural que os representantes legais dos profissionais da educação assumam postura de combate aos ataques que a educação do campo vem sofrendo ao longo do tempo, considerando que o nosso município tem a maior zona rural da Bahia e uma das maiores do Brasil”.