Após ameaças, indigenista brasileiro e jornalista inglês desaparecem na Floresta Amazônica
Entidades nacionais e internacionais cobram uma investigação para que os dois desaparecidos sejam encontrados 7 de junho de 2022 Mariana OliveiraO jornalista inglês, Dom Phillips, e o indigenista brasileiro, Bruno Araújo Pereira, estão desaparecidos na Floresta Amazônica. Os dois foram vistos pela última vez na região do Vale do Javari, no estado do Amazonas, quando faziam o trajeto entre a comunidade ribeirinha São Rafael e a cidade de Atalaia do Norte, na manhã do último domingo (05/06).
De acordo com a coordenação da União dos Povos Indígenas do Vale do Javari (Univaja) e o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados e de Recente Contato (OPI), em nota à imprensa, Pereira tinha recebido ameaças na semana passada. O comunicado não informou quem o ameaçava nem quais eram os tipos de ameaças, mas enfatizou que não era a primeira vez. Ele é descrito pelas entidades como um “experiente e profundo conhecedor da região, pois foi Coordenador Regional da Funai de Atalaia do Norte por anos”.
Já o jornal britânico The Guardian, para quem Philips trabalha, informou que as intimidações contra o indigenista vinham de madeireiros e garimpeiros que queriam invadir as terras das tribos indígenas protegidas por ele. Os dois desaparecidos viajavam em uma embarcação nova, de 40 cavalos de potência, e 70 litros de gasolina, o suficiente para a viagem.
O The Guardian manifestou preocupação com o sumiço de seu correspondente. Em reportagem publicada no site do jornal, um porta-voz do Guardian News & Media disse que o jornal busca urgentemente informações sobre Phillips. “Estamos em contato com a embaixada britânica no Brasil e autoridades locais e nacionais para tentar apurar os fatos o mais rápido possível”.
Bruno Pereira e Dom Phillips chegaram na sexta-feira (03/06) à localidade conhecida como Lago do Jaburu, próximo ao rio Ituí, com o objetivo de visitar a equipe de Vigilância Indígena presente no local, para que o jornalista pudesse fazer entrevistas com indígenas. Segundo a Univaja, no domingo (05/06), os dois deveriam retornar para a cidade de Atalaia do Norte por volta das 9 horas, após uma parada agendada na comunidade São Rafael, para que o indigenista se reunisse com uma pessoa da comunidade apelidado de “Churrasco”.
Os dois chegaram à comunidade ribeirinha às 6 horas. O percurso após a reunião até o destino final duraria aproximadamente duas horas. Com a demora, no início da tarde do dia 5, uma primeira equipe de busca da Univaja saiu de Atalaia do Norte em busca dos desaparecidos, mas não os encontrou.
Conforme a Agência Brasil, a Polícia Federal do Amazonas informou, nesta segunda-feira (06/06), que está apurando o caso. “As diligências estão sendo empreendidas e serão divulgadas oportunamente”, informou uma nota da instituição, que não apresentou detalhes sobre as investigações. A Marinha brasileira também enviou uma equipe para auxiliar nas buscas pelos desaparecidos. O Ministério Público Federal (MPF) também acionou a Força Nacional e a Polícia Civil para participarem das buscas.
Quem são Dom Phillips e Bruno Pereira?
Dom Phillips escreve reportagens no Brasil há mais de 15 anos. Além do The Guardian, já trabalhou para o Washington Post, o New York Times e o Financial Times. Segundo o The Guardian, o jornalista estava na Amazônia trabalhando em um livro sobre meio ambiente.
O jornalista nasceu no condado de Merseyside, região onde fica a cidade de Liverpool, no noroeste inglês. Mudou-se para o Brasil em 2007 e mora em Salvador, na Bahia. Phillips e Bruno Pereira tinham realizado outra expedição juntos, também na Amazônia, segundo o jornal inglês, que destacou a paixão de Phillips pela floresta Amazônica. O jornalista viajava constantemente à região “para relatar a crise enfrentada pelo meio ambiente no Brasil e suas comunidades indígenas”, publicou o The Guardian.
Bruno Pereira é considerado um dos indigenistas mais experientes da Fundação Nacional do Índio (Funai) e conhece bem a região, já que foi Coordenador Regional da Funai de Atalaia do Norte por cinco anos, justamente a área onde foi visto pela última vez. Bruno também é membro do OPI e muito respeitado pelos indígenas. Ele recebia ameaças pelo trabalho que tem desempenhado, junto às tribos, contra invasores na região, pescadores, garimpeiros e madeireiros.
Em 2018, Pereira assumiu o cargo de coordenador-geral de Índios Isolados e Recém Contatados da Funai. Entretanto, foi exonerado do cargo em outubro de 2019, após pressão de ruralistas ligados ao governo do presidente Jair Bolsonaro (PL). De acordo com a Univaja, nos últimos anos, ele atuava na sede do órgão, em Brasília.
O jornal O Globo teve acesso a um bilhete enviado à Univaja, com ameaças de morte contra Beto Marubo, coordenador da entidade, e o servidor da Funai desaparecido. “Sei que quem é contra nós é o Beto Índio e Bruno da Funai, quem manda os índios irem para área prender nossos motores e tomar nosso peixe. Só vou avisar dessa vez, que se continuar desse jeito, vai ser pior para vocês. Melhor se aprontarem. Tá avisado”, dizia trecho da carta. Recentemente, Pereira acompanhou a Equipe de Vigilância Indígena da Univaja (EVU) ao Vale do Javari, que apreendeu materiais de pesca, caça e dezenas de quilos de peixe e tracajás, espécie de cágado da Amazônia, preservado pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
Repercussão internacional
Entidades do Brasil e do exterior de proteção aos Direitos Humanos, de jornalistas e de defesa e preservação do meio ambiente cobram a investigação sobre o desaparecimento de Dom Phillips e de Bruno Pereira.
O Greenpeace publicou uma nota destacando que o desaparecimento dos dois “se deu em meio ao aprofundamento da política anti-indigenista promovida pelo atual governo que, por meio de diversas iniciativas – afrouxamento de normas, retaliação a servidores de agências ambientais, paralisação dos processos de multas, estrangulamento orçamentário -, vem acabando com o arcabouço jurídico que protege os recursos naturais e violando direitos fundamentais dos povos indígenas do Brasil”.
Para a organização internacional de defesa dos Direitos Humanos, Human Rights Watch (HRW), é “urgente que as autoridades dediquem todos os recursos necessários” na procura por Bruno e Dom Phillips. Nas redes sociais, os internautas têm utilizado as hashtags #CadeDomPhillips e #CadeBrunoPereira para chamar a atenção ao desaparecimento dos dois.
Precisamos, com urgência, saber: #CadeDomPhilips #CadeBrunoPereira pic.twitter.com/JNiYPZAJzU
— ClimaInfo (@ClimaInfoNews) June 6, 2022
Este governo tá tirando uma com a sociedade, só pode ser. Vejam o tamanho da operação conjunta da Funai, Força Nacional e Polícia Federal que saiu atrasada em busca do jornalista @domphillips e do indigenista @tuyu_bruno.#CadeBrunoPereira #CadeDomPhilps
JAIR APARELHOU A FUNAI pic.twitter.com/TfdRp4or6G
— ClimaInfo (@ClimaInfoNews) June 7, 2022
É extremamente preocupante a notícia do desaparecimento de @domphillips e Bruno Pereira, indigenista da @funaioficial no Amazonas. É urgente que as autoridades dediquem todos os recursos necessários para a realização imediata das buscas a fim de garantir sua segurança. pic.twitter.com/2kOpqgWp43
— HRW Brasil (@hrw_brasil) June 6, 2022
Hoje é o Dia Nacional da Liberdade de Imprensa e temos um jornalista desaparecido em nosso país. Dom Philips e o indigenista Bruno Pereira desapareceram no Vale do Jacaraí na Amazônia e ambos haviam sido ameaçados pelas denúncias que faziam na região. Queremos respostas! pic.twitter.com/rSGBOgkgOf
— Juliette (@juliette) June 7, 2022
O indigenista Bruno Araújo Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips estão desaparecidos na Amazônia. Estavam na região reportando invasões de terras indígenas. Phillips me entrevistou para o @guardian em 2017. Espero que sejam encontrados logo, que estejam bem e em segurança. pic.twitter.com/nuyJfmyOqr
— Lula (@LulaOficial) June 6, 2022
NOTA PÚBLICA
Exigimos celeridade do Governo Brasileiro nas buscas
pelo indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips!
A seguir, a nota da Univaja contando a real situação em campo.— Eliane Brum (@brumelianebrum) June 7, 2022
Ao chegar nos EUA, pra onde vim a convite da @TIME, recebi a notícia do desaparecimento de Bruno Pereira e Dom Phillips no Vale do Javari, Amazonas.
Me somo a todas as instituições e pessoas que exigem do Estado Brasileiro ações imediatas para localiza-los.Segue o fio >>>
— Sonia Guajajara (@GuajajaraSonia) June 6, 2022
Cadê as buscas por Dom Phillips e Bruno Pereira, @policiafederal @DefesaGovBr @JusticaGovBR ?? https://t.co/XBpHsfaNjL
— Renata Neder (@renataneder) June 7, 2022
CADÊ BRUNO E DOM? https://t.co/lPNGVR61aS
— Greenpeace Brasil (@GreenpeaceBR) June 7, 2022
Dois jornalistas estão desaparecidos na Amazônia. É hora da imprensa brasileira, internacional e setores progressistas questionarem: cadê Bruno Pereira e Dom Phillips @domphillips?
— Gabriela Oliva (@agabrielaoliva) June 6, 2022
O Instituto ClimaInfo, que realiza um trabalho de alerta sobre mudanças climáticas, chamou de “‘inaceitável” a demora para ações de investigação – que teriam começado mais de 24h após o desaparecimento. A organização americana de defesa do meio ambiente, Amazon Watch, disse estar preocupada com o desaparecimento do jornalista e do indigenista.
A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) divulgou uma nota se disponibilizando a “unir esforços” para que eles sejam localizados. A Abraji reforçou a existência de ameaças contra os dois pelos trabalhos que realizam em proteção aos indígenas. Também enfatizou os “votos para que eles sejam localizados rapidamente e em segurança”.
O Itamaraty publicou uma nota na qual enfatiza que o governo brasileiro acompanhando as buscas pelos profissionais e que, ”na hipótese de o desaparecimento ter sido causado por atividade criminosa, todas as providências serão tomadas para levar os perpetradores à Justiça”.
Outra instituição que também se manifestou foi o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP). Segundo a nota, o desaparecimento do indigenista e do jornalista “expõe a fragilidade das ações de fiscalização e segurança na Amazônia”. A entidade pede que as autoridades tenham mais dedicação “ao que ocorre atualmente na floresta mais importante do planeta, sob o risco de perdê-la de vez para o crime organizado”.
O presidente Jair Bolsonaro (PL) se manifestou sobre o caso pela primeira vez nesta terça-feira (07/06), durante entrevista para o SBT News. O presidente da república classificou como “aventura não recomendável” o trabalho que o jornalista do The Guardian realizava na região. Bolsonaro afirmou também que as forças armadas estariam trabalhando “com muito afinco” nas buscas.
Mas o Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas publicou no Twitter, na madrugada de hoje (07/06), que, até então, helicópteros não haviam sido disponibilizados para auxiliar na procura pelos dois desaparecidos. Na tarde desta terça-feira (07/06), o OPI e a Univaja publicaram mais uma nota, na qual diz que há uma “omissão” por parte do governo brasileiro e que o Comando Militar da Amazônia (CMA) informou ontem (06/06) ter condições para realizar as buscas, mas que as ações só “serão iniciadas mediante acionamento por parte do Escalão Superior”. “Assistimos com perplexidade à demora, hesitação e lentidão do ‘Escalão Superior’ para implementar de forma imediata as ações de busca e salvamento. Apesar do que tem sido veiculado nos canais oficiais do Ministério da Justiça, por exemplo, e em alguns veículos de imprensa, não há força tarefa atuando na região de maneira efetiva.”, diz a nota das entidades indígenas.
Bolsonaro ofende o indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips. Não estão fazendo uma "aventura". São trabalhadores em pleno exercício dos seus ofícios: um defendendo povos indígenas, outro reportando essa defesa e ameaças aos indígenas. Não estão passeando de jet ski. https://t.co/y47wrFcJRM
— Rubens Valente (@rubensvalente) June 7, 2022
Até o presente momento não existem helicópteros auxiliando as buscas, o que seria imprescindível!!
— Opi (@OPI_Isolados) June 7, 2022
NOTA PÚBLICA | Omissão do Governo Brasileiro: exigimos celeridade nas buscas pelo indigenista Bruno Pereira e o jornalista Dom Phillips! Confira a Nota completa em conjunto com a UNIVAJA, @CoiabAmazonia e @ApibOficial: https://t.co/lNHmcnzxCr pic.twitter.com/2nZb0aXz8a
— Opi (@OPI_Isolados) June 7, 2022
https://twitter.com/demori/status/1534160940362514432
As famílias dos dois desaparecidos publicaram, nesta terça-feira (07/06), manifestações, nas redes sociais, nas quais pedem que o governo dê maior atenção às buscas pelos profissionais. “Em virtude de mais de 48 horas do desaparecimento do nosso Bruno e seu companheiro de viagem Dom Phillips, apelamos às autoridades locais, estaduais e nacionais que dêem prioridade e urgência na busca pelos desaparecidos. Compreendemos que Bruno possui vasta experiência e conhecimento da região, porém, o tempo é fator chave em operações de resgate, principalmente se estiverem feridos. É fundamental que buscas especializadas sejam realizadas, por via aérea, fluvial e por terra, com todos os recursos humanos e materiais que a situação exige”, pontua a nota publicada pela família de Bruno Pereira.
Sian Phillips appeals for urgency from Brazilian authorities in the search for brother Dom Phillips, journalist missing in the Amazon since Sunday, please keep up the pressure!@FCDOGovUK@trussliz@BrazilEmbassyUK@mhopkinsfco @marcolonghi4dn@fyldeca@jamescleverly pic.twitter.com/5KruRDOKjK
— Paul Sherwood onMastodon as @paulsherwood6@ci.m (@paulsherwood6) June 7, 2022
A família de Dom Philips também se manifestou sobre o assunto no Twitter. Em um vídeo, a irmã do jornalista, Sian Phillips, diz que “estão desesperadamente preocupados” e que “tempo é crucial, cada minuto conta.”. “Imploramos às autoridades brasileiras que enviem a Força Nacional, a Polícia Federal e todos os poderes à sua disposição para encontrar nosso querido Dom”, escreveu Paul Sherwood, um cunhado de Phillips. A esposa do colaborador do The Guardian, Alessandra Sampaio, visivelmente abalada, gravou um vídeo onde apela ao governo federal e aos órgãos competentes que intensifiquem as buscas pelo seu marido e Bruno Pereira. “A gente ainda tem um pouquinho de esperança de encontrar eles. Mesmo que eu não encontre o amor da minha vida vivo, eles têm que se encontrados.”
Alesandra Sampaio, esposa de Dom Phillips, faz um apelo às autoridades brasileiras. pic.twitter.com/MG85ZcQHGp
— Eliane Brum (@brumelianebrum) June 7, 2022
Dados sobre violência contra indígenas e jornalistas
Segundo um levantamento realizado pelo FBSP, entre 2018 e 2020, houve um crescimento de 9,2% na violência letal em cidades de floresta na região Norte do país. “O dado por si só já exigiria bastante atenção dos órgãos governamentais, mas o que se viu nos últimos anos foi o completo desmantelamento das instituições encarregadas de prover segurança à população local”, publicou a entidade.
Dados da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) mostram que, no mundo inteiro, 62 jornalistas foram mortos em 2020 e 55 em 2021, apenas por fazerem seu trabalho.
De acordo com o Relatório da Violência contra Jornalistas e Liberdade de Imprensa, da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), 430 ocorrências foram registradas em 2021. O relatório culpa o presidente da República, Jair Bolsonaro, por 147 destes ataques, dos quais 129 foram descredibilizando a imprensa e 18 de agressões diretas a jornalistas. Na lista de principais agressores do ano passado também constam auxiliares do presidente na Empresa Brasil de Comunicação (EBC), políticos, assessores e manifestantes bolsonaristas.
Foto destacada: G1