Rejeição da população à taxa do lixo paralisa andamento da votação na Câmara de Conquista
Lei do saneamento determina criação de cobrança para o serviço de resíduos sólidos, mas, até o momento, o projeto está parado 28 de setembro de 2021 Carla Adrienny, Jessica Muniz, Marcos Paulo e Wender Luan“Estamos no meio de uma pandemia, uma crise econômica, e a população conquistense não tem dinheiro nem para o alimento direito imagina para essa taxa (lixo). Já pagamos IPTU [Imposto Predial e Territorial Urbano], e ainda querem cobrar mais taxa”, reclama a atendente de lanchonete, Cristina Aparecida Barbosa Pereira, moradora do bairro Cidade Modelo em Vitória da Conquista. “Espero mesmo que a implementação da taxa não ocorra. Não vejo nenhum ponto positivo para a população.” A moradora do bairro Recanto dos Pássaros, Raysa Sanches Rocha, que trabalha também no ramo de lanches, comunga da mesma opinião: “para a população não terá nenhuma melhoria, e para mim, a taxa de lixo já está inclusa no IPTU que pagamos todos os anos. Então essa taxa é abusiva e desnecessária!”
O Projeto de Lei da nova taxa do lixo foi encaminhado pela Prefeitura de Vitória da Conquista à Câmara Municipal no dia 13 de julho. A medida é um PL complementar para atender às determinações do Novo Marco do Saneamento do país, que foi sancionado pelo governo Federal em meados de julho de 2020 e trouxe mudanças, como a cobrança de taxa ou tarifa de lixo pelos municípios brasileiros que ainda não a dispõe, como é o caso de Conquista. Apesar de uma exigência legal, a proposta tem gerado insatisfação entre a população local. Durante os meses de julho e agosto, a imprensa repercutiu esse descontentamento em diferentes reportagens, como TV Sudoeste, jornal A Tarde, Blog do Anderson, Sudoeste Digital
Diante desse cenário, até o momento, o PL ainda não foi votado pelos vereadores e se encontra nas comissões para avaliação. Segundo o vereador Alexandre Garcia Araújo (PT), mais conhecido por Xandó, a mobilização popular contra a taxa de lixo na cidade é que tem impedido a votação na Câmara Municipal, que tem sofrido pressão para fazer a aprovação. “O projeto foi enviado para a Câmara, mas o presidente ainda não o colocou em pauta. Ainda não temos previsão para votação do tema”, destacou. “Nós, da oposição, que somos minoria, estamos aguardando, mas não de forma passiva. Temos buscado mobilizar a população, dialogar e mostrar o absurdo que é a cobrança dessa taxa. Caso ela venha ser pautada na Câmara, queremos derrotá-la.”
Para o presidente da Casa Legislativa, Luiz Carlos Dudé (MDB), é preciso levar em conta a situação do país e prorrogar a implementação da lei. “Sabe-se que é uma Lei Federal, o que nós queremos é prorrogação jogue mais pra frente, para buscar melhorar a vida das pessoas. É preciso ter esse entendimento nesse momento que nós estamos vivendo”, disse em entrevista à TV Sudoeste.
A vereadora Viviane Sampaio (PT) também tem defendido um posicionamento semelhante ao colega do PT e do MDB. “Não é o melhor momento para se instituir nenhum tipo de cobrança de taxa, nem de imposto, nem aumento de alíquotas. Entendo que, no momento, os gestores precisam estar sensíveis à situação em que se encontra a população e buscar remédios jurídicos”, destaca. “Há prefeitos de outros municípios que estão ingressando judicialmente para que não tenham que ter a obrigatoriedade de apresentar projetos de lei para instituir essa taxa nesse momento, pois nós estamos atravessando ainda com essa pandemia.”
Atualmente, a Prefeitura de Conquista gasta 25 milhões por ano para a realização da coleta do lixo, equivalente a dois terços de todo IPTU arrecadado na cidade. Segundo o coordenador municipal de Serviço Público, Thiago Lelis, a nova tarifa vai permitir realocar os recursos existentes e tornar mais eficiente a prestação desse serviço na cidade. “Essa taxa vai cobrir os custos com coleta e tratamento de resíduos, o que aliviará os recursos coletados com as taxas de IPTU, que poderão ser usados para investimentos em outras áreas e demandas, como em programas sociais, obras do governo e até mesmo na Saúde e Educação do município.”
O líder do governo municipal na Câmara, o vereador Chico Estrela (PTC), disse que essa taxa vai servir para compensar as perdas orçamentárias do município durante a pandemia. “Vai ser bom para o município que terá uma arrecadação maior já que vem enfrentando um grande problema devido essa pandemia, com a perda de arrecadação. Agora, existe essa possibilidade de ter uma arrecadação maior e, com certeza, trará benefícios para o município.”
No entanto, Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE/BA) elaborou um parecer preliminar sobre os avanços e problemas identificados no projeto de lei da nova taxa de lixo. Como ponto positivo, há o fato que a PL trata de prever um preço público para grandes geradores de lixo. “O município hoje tem uma despesa não apenas pelo conjunto da coleta domiciliar como, principalmente, pela coleta de grandes empresas. Mas a lei do saneamento básico estabelece que a prefeitura não pode usar recurso público para bancar a coleta de lixo de grandes geradores. Um volume considerável da despesa com o pagamento da concessionária do serviço de coleta em Conquista é com grandes empresas”, explicou a defensora pública e coordenadora do Núcleo de Gestão Ambiental da DPE/BA e do programa “Mãos que Reciclam”, Kaliany Gonzaga.
Outro aspecto destacado pelo texto do parecer é a falta de clareza sobre os critérios utilizados para determinar o que são os “estabelecimentos comerciais e prestadores de serviços”, os quais passarão a ser considerados “geradores domiciliares” pelo poder público municipal. Não foi especificada no PL encaminhada pela Prefeitura a metodologia utilizada para estabelecer os “100 litros diários” estabelecidos como linha de recorte.
A Defensoria ainda indica a omissão no PL quanto ao papel socioambiental a ser desempenhado por catadoras e catadores de materiais recicláveis no sistema de coleta de lixo municipal de Conquista. O texto “não prevê mecanismos de incentivo à menor geração e a adequada destinação de resíduos sólidos [lixo possível de ser reciclado] e a valorização de catadoras e catadores de materiais reutilizáveis e recicláveis nos sistemas de coleta seletiva e de logística reversa”.
Nova taxa de lixo
A proposta encaminhada à Câmara propõe uma taxa da coleta que vai abarcar terrenos, residências, comércios, serviços e indústrias. O valor do tributo vai depender da frequência da coleta, que poderá variar de na categoria frequência 1 a três dias na semana e, na frequência 2, de mais de três dias. Também será levado em conta a área da propriedade também na base de cálculo. A proposta é que o valor da taxa seja cobrado na conta da Empresa Baiana de Água e Saneamento (Embasa).
De acordo com nota da Prefeitura, o valor da Taxa de Manejo de Resíduos Sólidos será cobrada de acordo com a área construída, a localização, o número de vezes que a coleta é feita na rua e o valor por metro quadrado do imóvel. Quem é isento do IPTU, não vai precisar pagar a taxa.
No caso dos resíduos de terrenos, o valor anual da taxa pode variar entre o mínimo de R$ 30,00 e o máximo de R$ 50,00 com três vezes coletas semanais, e se for mais de três dias, ficará entre R$ 39,00 e R$ 65,00. Já para os imóveis residenciais, a taxa anual será de R$ 100 e R$ 180 quando a coleta for feita até três vezes por semana, e entre R$ 130 e R$ 234, a partir de quatro. Em estabelecimentos comerciais e serviços, o valor da taxa será de R$ 250 e de R$ 370 quando a coleta ocorrer três vezes na semana. A taxa que varia entre R$ 325 e R$ 481 será aplicada quando os resíduos forem coletados mais de três vezes na semana. Os estabelecimentos industriais pagarão valores mais altos, entre R$ 600,00 e R$ 1 mil, com coleta três vezes por semana, e entre R$ 780,00 e R$ 1.300,00 quando a coleta for realizada por mais de três vezes.
Prazo do Novo Marco
O prazo estabelecido pelo Novo Marco para que a cobrança da taxa ou tarifa seja implementada, em caráter de obrigatoriedade, já passou para Conquista, que era o dia 15 de julho de 2021.
Conforme a redação do Novo Marco do Saneamento, a ausência de proposição de instrumento de cobrança pelo serviço em questão, no prazo de 12 meses da vigência da Lei que o institui, configura renúncia de receita pelo município. Caso isso aconteça, a renúncia de receita deverá ser acompanhada de estimativa do impacto orçamentário-financeiro no exercício em que deveria ser iniciada sua vigência e nos dois seguintes, atendendo às demais disposições legais estabelecidas.
Os municípios então que não implementarem a cobrança terão de demonstrar a sustentabilidade econômico-financeira dos serviços ao longo dos estudos que subsidiaram a sua contratação. Deverá, ainda, comprovar a existência de recursos suficientes para o pagamento dos valores incorridos na delegação do serviço, através de demonstração de fluxo histórico e projeção futura de recursos.
Em nota de esclarecimento, publicada no dia 27 de julho, a Prefeitura de Conquista disse que a administração municipal não “teria como deixar de cumprir o prazo, pois poderia perder repasses federais para a área de saneamento e a administração responderia por improbidade administrativa por renúncia de receita, que é um crime”.
Como a taxa não foi votada até o momento, a equipe do Avoador entrou em contato com a gestão municipal, mas, até a publicação desta reportagem, nenhuma resposta foi enviada.
Processo de coleta de lixo
Atualmente, a coleta em Conquista é realizada pela empresa Torre Empreendimentos e Construções Ltda, que é responsável por grande parte da coleta, e pelos carroceiros, que realizam a coleta de material onde os caminhões não chegam.
A empresa utiliza 13 caminhões, dos quais 12 realizam o trabalho na zona urbana e um na zona rural. Ao todo, são 150 trabalhadores envolvidos diretamente no processo de coleta de resíduos sólidos por caminhão compactador no município. Esse serviço é realizado por empreitada na cidade. Pela manhã, os trabalhadores começam a partir das 7 horas, e à noite, das 19 horas, de segunda-feira a domingo. São 23 roteiros urbanos, que variam de frequência, de duas a cinco vezes por semana.
Além desse trabalho com os caminhões, há os 50 os carroceiros, 37 na zona urbana e 13 na zona rural. Eles realizam o serviço por meio de um processo de licitação, que os habilita a recolher os resíduos. Os principais bairros atendidos por eles são: Urbis 6, Morada Real, Bruno Bacelar, Aparecida, Parque Imperial, Conveima 2, Santa Terezinha, Renato Magalhães, Jardim Valéria, Panorama e Pedrinhas.
O carroceiro Alberto Souza dos Santos, de 66 anos, que já tem idade para estar aposentado, mas não está, é um desses profissionais. Ele realiza o serviço há mais de 20 anos pela Prefeitura de a Conquista, no bairro Cruzeiro. Segundo ele, deveria ser realizada uma “assembleia” para decidir melhor como realizar a coleta de lixo, pois considera que carroceiros e os trabalhadores dos caminhões fazem um trabalho distinto. “Precisamos que a Prefeitura dê suporte para que não tenhamos prejuízos, pois não recebemos auxílio e, se acontecer algo de errado no nosso trabalho, nós arcamos com o prejuízo.” Sobre a taxa de lixo, acredita que “se é lei para um, é lei para todos. É um gasto a mais que vamos, mas pelo menos temos que ter o direito de reclamar.”
José Maurício Alcântara dos Santos, de 64 anos, que também trabalha como carroceiro pelo município há 20 anos, na Colina do Alto Maron, concorda com o colega. “Eu concordo, eu sei que é um gasto a mais, mas é lei, e devemos cumprir. O importante é que nos deixem fazer o nosso trabalho em paz.”
Os carroceiros são contratados por MEI (Microempreendedor). Cada um paga ao Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas) e têm uma pequena firma registrada. Todos os anos esses trabalhadores renovam um acordo com a administração municipal. Segundo eles, a relação com a Prefeitura é boa e que sempre há reuniões bimestrais para discutirem sobre o serviço da coleta de lixo.
Também questionamentos à Prefeitura se haverá alguma mudança em relação aos carroceiros, caso a nova taxa do lixo seja aprovada, mas não tivemos resposta.