#DETURPADO | Mensagem atribuída ao Ombudsman da Folha de S. Paulo é deturpada
Artigo publicado em 2018, que critica os meios de comunicação tradicionais e defende a democracia, voltou a circular em 2022 de forma descontextualizadaCircula em grupos de WhatsApp da região Sudoeste um texto com a mensagem “Pessoal, vcs leram a porrada da ombudsman da Folha SP de hoje?” e, logo abaixo, o título “Não adianta pedir desculpas daqui a 50 anos” e um texto completo que discute argumentativamente e tem um posicionamento relacionado às eleições de 2018, quando o atual presidente da República, Jair Bolsonaro, foi eleito. A publicação gerou dúvidas entre os seguidores do Avoador, que pediram uma checagem, para saber se há relação do conteúdo com a Folha de S. Paulo e o que é um Ombudsman. Confira a seguir o trabalho de verificação da editoria.
A informação é deturpada. Para fazer a verificação, o primeiro passo foi uma pesquisa na plataforma de busca Google para identificar onde foi publicado o texto em questão. A primeira referência que aparece no buscador é de um texto com o título citado na mensagem: “Não adianta pedir desculpas 50 anos depois”, cujo link de origem é do jornal Folha de S.Paulo, sendo de autoria de Eleonora Lucena. Entretanto, a autora não é a ombudsman do veículo e a publicação foi na Editoria Opinião, onde colunistas convidados expressam a sua opinião sobre os mais variados temas. Eleonora Lucena é jornalista, ex-editora-executiva da Folha (2000-2010) e copresidente do serviço jornalístico Tutaméia.
Na mensagem encaminhada nos grupos de Whatsapp, também chama a atenção que o texto não segue com um link para direcionar o leitor à publicação original no site da Folha de S. Paulo, coloca-se apenas o conteúdo, que, dessa forma, pode até ser modificado. Além disso, apesar da primeira frase da mensagem dar a entender que se trata de uma publicação recente, o texto é de 25 de outubro de 2018, às vésperas do segundo turno das eleições presidenciais.
O tema discutido no texto é a imparcialidade da mídia diante do avanço da extrema direita durante o pleito eleitoral daquele ano, e é retomado novamente em um contexto em que mais uma vez o Partido dos Trabalhadores (PT) e a extrema direita, que tem à frente Jair Bolsonaro como principal liderança, são os principais oponentes na disputa pela vaga presidencial.
Segundo matéria publicada na CNN na última sexta-feira (27/05), em uma pesquisa de intenção de votos realizada pelo instituto XP/Ipespe, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), lidera com 45 por cento das intenções enquanto o atual presidente Jair Bolsonaro (PL) tem 34 por cento, em um cenário de 1000 pessoas no período entre 23 e 25 de maio. As eleições estão marcadas para 2 de outubro de 2022.
Ombudsman e os gêneros jornalísticos
A mensagem encaminhada também gera dúvidas entre seguidores do Avoador a respeito da atividade de ombudsman e os gêneros jornalísticos, artigo, reportagem e notícia. Para evitar repassar informações duvidosas, é importante também conhecer mais sobre o trabalho jornalístico.
Ombudsman é uma palavra sueca que significa representante do cidadão, sendo o mesmo que ouvidor. Nos países escandinavos, é um o ouvidor-geral, uma função pública criada em 1713 para canalizar problemas e reclamações da população. O primeiro ombudsman de imprensa surgiu nos Estados Unidos, em 1967. No Brasil, a Folha de S. Paulo foi pioneira na criação do cargo, tendo sido implementado em 24 de setembro de 1989. O termo na imprensa é utilizado para designar o representante dos leitores dentro de um jornal. Na Folha de S. Paulo, o cargo é exercido por um jornalista que se dedica a “receber, investigar e encaminhar queixas dos leitores; realizar crítica interna do jornal e, aos domingos, produzir coluna de comentários críticos sobre meios de comunicação”.
O jornal tem ainda a própria política interna sobre o ombudsman, com contratação em formato de mandato de um ano com possibilidade de renovação de três anos. Um ombudsman da Folha não pode ser demitido durante esse mandato e, após deixar a função oficialmente, mantém a estabilidade no jornal por seis meses. No site do jornal, é possível encontrar todos os jornalistas que já desempenharam essa função e o nome de Eleonora não consta na lista.
Em relação aos gêneros jornalísticos, o texto em questão é um artigo de opinião, ou seja, o conteúdo foi criado com base no ponto de vista da autora. Um artigo de opinião evidencia as convicções do articulista, que pode ser especialista no assunto ou não, e que se preocupa mais em analisar os fatos. Nesse sentido, os textos pertencentes ao gênero Opinativo buscam ajudar o leitor a construir seu ponto de vista sobre determinado assunto por meio da exposição dos argumentos e posições do autor.
Já o texto do ombudsman também se enquadra no gênero Opinativo, mas com um diferencial: os argumentos do autor são baseados nas demandas enviadas pelos leitores. A narrativa então é o encontro entre o que pensam os leitores e um funcionário da empresa, que está ali para dar visibilidade às suas críticas, reclamações ou elogios. Para isso, ele precisa articular várias opiniões ao seu entendimento do que seja uma produção jornalística.
O jornalismo tem ainda outros formatos, que são comuns em jornais impressos e digitais, separados na teoria por gêneros jornalísticos, são eles: notícia e reportagem. Segundo o professor e jornalista Nilson Lage, a notícia apresenta um acontecimento social recente, narrado a partir da perspectiva do mais importante, no que é conhecido no jornalismo por pirâmide invertida.
Já a reportagem é descrita pelo doutor em Jornalismo José Marques de Melo como um relato aprofundado de um assunto que tem importância para a sociedade. Essa estrutura do texto permite uma maior exposição dos fatos, com mais detalhes, e segue uma escrita menos rígida que permite uma linguagem mais leve para contar a história.
Enquanto a notícia e a reportagem são formatos do gênero Informativo, o artigo de opinião faz parte do Opinativo. Segundo Marques de Melo, esse é o gênero em que os jornalistas têm liberdade para expor suas ideias e opiniões. No artigo, o escritor não precisa seguir uma estrutura estabelecida e pode usar figuras de linguagens, que não são tão comuns no Informativo. O principal objetivo do gênero Opinativo é argumentar/opinar sobre determinado tema, enquanto que os formatos do Informativo é interpretar e informar um fato para quem tenha acesso a esse conteúdo possa formar sua opinião. O texto produzido pelo ombudsman é opinativo por unificar os discursos dos leitores e dos jornalistas que exercem um cargo no veículo de comunicação, que são construídos a partir da análise do trabalho jornalístico.
Portanto, a mensagem encaminhada nos grupos de Whatsapp e verificada pelo Xereta está deturpada, fora de contexto, buscando levar a um entendimento duvidoso da realidade.
Checagem realizada por Beatriz Oliveira e Mikhaelle Piagio.
Eu entendo que o texto continua atualíssimo e agora com mais fatos que corroboram as previsões sugeridas pela autora.