Aleitamento materno: os benefícios, os desafios e o processo de doação para o Banco de Leite Humano

Considerado o alimento mais completo para bebês e crianças, o leite materno fornece anticorpos e evita uma série de doenças e infecções; Em entrevista ao Avoador, especialista explica como funciona o processo de doação para o Banco de Leite Humano de Conquista 6 de outubro de 2021 Por Luana Carvalho, Gabriela Matias e Talyta Brito

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que, até os seis meses de idade, o leite materno seja a única fonte de alimento dos bebês. Além de fortalecer o vínculo entre mães e filhos(as), a substância fornece anticorpos, o que auxilia a evitar uma série de doenças e infecções. Há 17 anos, em Vitória da Conquista, o Banco de Leite Humano (BLH), localizado no Hospital Municipal Esaú Matos, oferece apoio e orientação às mulheres e crianças conquistenses durante o processo de aleitamento materno.

De acordo com a médica pediatra do Hospital Esaú Matos, Aline Bispo, o leite materno traz benefícios não apenas para os bebês, mas também para as mães. “O parto gera um sangramento. Então, quando a criança começa a sugar a mama naquela primeira hora, isso ajuda na contração, na redução do volume do útero e também reduz o sangramento”.

A amamentação também previne o câncer de mama e de ovário. Segundo a médica, o ato de amamentar contribui para a produção de ocitocina, hormônio fundamental para reduzir o estresse pós-parto e que auxilia na diminuição da sobrecarga cardíaca e, consequentemente, do sangramento após o nascimento do bebê.

A OMS também recomenda que, após os seis meses de idade, a criança continue sendo amamentada até os dois anos ou mais. Mas a amamentação deve ser aliada à alimentação complementar apropriada, de acordo a cada faixa etária. No banco de leite de Conquista, além de trabalhar com a coleta e preparo da substância para doações, os profissionais se dedicam a orientar mulheres sobre a importância do aleitamento materno.

“Nutrizes [mulheres em processo de amamentação] que pariram em outro hospital podem chegar aqui por causa de alguma dificuldade. Isso porque o nosso trabalho não é só de receber as doadoras, mas também de orientar e incentivar a amamentação”, explicou a coordenadora do banco de leite do Esaú Matos, Orlanda Barreiras.

O processo de doação

De acordo com a coordenadora do Banco de Leite Humano (BLH) de Conquista, Orlanda Barreiras, qualquer mulher que tiver interesse em se tornar doadora pode agendar uma visita à unidade, via telefone, ou solicitar que a coleta seja realizada em sua residência. O protocolo foi estabelecido em razão da pandemia da covid-19.

O primeiro passo do processo, segundo Orlanda, é adicionar as mães em um grupo de Whatsapp, a partir do qual elas irão receber informações sobre cada etapa até que sejam aprovadas para doar ao banco do Esaú Matos. Em seguida, dá-se início ao procedimento de triagem, em que os exames de pré-natal das candidatas são avaliados. Nessa análise, os profissionais buscam quaisquer alterações que possam influenciar na qualidade do leite.

Após a confirmação de que a doadora e seu bebê estão saudáveis, as mães podem coletar o leite em suas próprias casas, através da ordenha manual. “Quando a mulher tem algum tipo de dificuldade, a gente orienta, mostra como funciona a bomba, as opções do aparelho, se ela puder comprar. Mas o mais natural e menos traumático para a mama, é na própria mão”, afirmou a pediatra Aline Bispo.

Depois das orientações iniciais, a equipe passa a fazer o recolhimento do leite duas vezes por semana, no caso de visitas residenciais. “Uma funcionária vai até a casa dessa mulher, oferece todas as informações necessárias para a coleta, leva os vidros, e a partir daí fica só passando para coletar o leite”, explicou a coordenadora do BLH, Orlanda.

Pasteurização do leite

Devido à falta de estrutura para o acondicionamento e conservação do leite, o BLH atende apenas o município de Vitória da Conquista. Mas apesar de todas as restrições, o trabalho desenvolvido é importante porque garante leite de qualidade aos bebês que estão na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Atualmente, o Hospital Esaú Matos dispõe de 29 leitos neonatais: 10 são da UTI, 15 da Terapia Semi Intensiva (TSI) e quatro são da enfermaria Canguru, além da Sala de Estabilização Nenonatal (SENEO).

Lactante doadora, Aline Santos

Segundo a coordenadora do BLH de Conquista, Orlanda Barreiras, o material doado fica armazenado por até 15 dias. “Todo leite que passa por aqui é unidirecional: o que chega e o que sai da sala de ordenha vai para a sala de recebimento. Depois do armazenamento, ele vai para a pasteurização. É realizado o teste de acidez, o teste microbiológico, e só a partir daí que vai para os bebês que estão em UTI”.

Durante a visita do Avoador ao banco de leite, a coordenadora apresentou à equipe o passo a passo de cada procedimento envolvido na doação. “Quando elas [as doadoras] entram na sala de ordenha, a gente orienta como fazer a higiene das mãos e das mamas e aí fazemos a coleta. Quando a mulher termina, é colocado [o leite] em um vidro, identificado com o nome dela e o tipo de leite, se é colostro, leite de transição ou leite maduro”.                                                    

Freezer onde é armazenado o leite coletado da doadora

Orlanda continuou sua explicação enquanto apontava para os equipamentos na sala. “Colocamos o volume [quantidade em ml no frasco] e armazenamos nesse freezer. Em seguida, cadastramos [no frasco] o nome da mãe, o número de registro, o tipo do leite e o volume”.

A primeira etapa é o teste de acidez do leite

Na próxima etapa, de acordo com a coordenadora, o leite armazenado no vidro é mantido em banho maria em uma temperatura de 40ºC para degelo do leite. “Depois, a bioquímica coloca um frasco de 400 ml e faz o teste de acidez. Se der acidez muito alta, aqui mesmo ele é descartado”.

Após o teste de acidez, acontece o choque térmico, em que o leite é submetido a uma temperatura de 62,5ºC para a pasteurização. Na sequência, são retiradas amostras para fazer a microbiológica, avaliação realizada para detectar se há coliformes fecais ou contaminação bacteriana.

Na segunda etapa acontece a testagem com substância química

“A amostra é colocada em tubos de ensaio [com substância química para testagem] e fica na estufa por 48 horas”, explicou Orlanda. Nesse período de espera, o leite é armazenado no freezer do laboratório e, após o resultado, a bioquímica faz a leitura da amostragem. Caso seja liberado, o leite permanece no estoque dos freezers e, posteriormente, é doado aos bebês na UTI.

Todo esse processo é essencial para evitar possíveis contaminações do recém-nascido, já que ele ainda não possui o sistema imunológico totalmente desenvolvido. Por isso, a forma mais segura de contribuir é através da doação para o Banco de Leite, no qual o material será pasteurizado e descontaminado. Essa prática é recomendada por profissionais da saúde, ao contrário da amamentação cruzada, quando a mãe entrega o seu bebê para outra mulher amamentar de forma direta.

Amamentação: dificuldades e benefícios

Embora exista a romantização da amamentação, a experiência varia de mulher para mulher. Muitos recém-nascidos enfrentam dificuldades no momento da sucção e algumas mães apresentam baixa produção de leite, o que torna o amamentar, muitas vezes, um processo doloroso. A estudante de Nutrição, Karyna Lopes, teve sua filha Cecília aos 20 anos, e os desafios com o aleitamento começaram antes mesmo dela deixar o hospital.

Cecília, que nasceu de parto normal, teve dificuldades para sugar o leite logo quando foi trazida para perto da mãe, mas as enfermeiras presentes insistiam em dizer para sua mãe, Karyna, que “mamar é algo intuitivo e natural”. Por meio de suas redes sociais, a lactante desabafou sobre o ocorrido.

“Eu estava pedindo ajuda e recebi como resposta que mulher preta já nasce sabendo amamentar, me senti agredida por não encontrar apoio”, disse Karyna. Após algumas tentativas frustradas de amamentação, a equipe médica encontrou uma alternativa. “Minha filha chorava, eu chorava, meu peito sangrava em carne viva e a solução dos médicos e enfermeiros foi me mandar copinhos de fórmula dos quais eu nunca cheguei a oferecer”.  

Após a liberação do hospital, a estudante decidiu fazer a ordenha do leite, mas ainda assim o procedimento gerava desconforto. “Na primeira vez, em que eu nem conseguia colocar a mão de tanta dor, tirei quase 700 ml. Enquanto Cecília dormia, eu chorava, só de imaginar que quando ela acordasse iria querer mamar. Eu não tinha paz”.

Foi a vizinha de Karyna que a apoiou nesse momento difícil. “Ela me ensinou a passar leite materno e fazer o movimento de pinça no seio para ajudar na pega, ali foi o meu primeiro respiro de alívio”. Quatro meses após o nascimento da filha, a jovem precisou retomar a graduação. “Acionei minha rede de apoio familiar que concordou em oferecer leite materno ordenhado, desde que fosse na mamadeira”.

Fonte: Instagram/Karyna e Cecília

Mas a decisão trouxe sérias consequências para mãe e filha. “Por volta dos seis meses a conta chegou, ela passou a morder o seio, ficar irritada ao mamar e a jogar o corpo para trás como se brigasse com o seio. Abandonei a mamadeira e recomecei”. Mesmo com todas as dificuldades durante o amamentar, Karyna se sente realizada. “Sigo forte, sabendo que minha filha tem o melhor alimento do mundo ao seu dispor”.

A experiência da estudante de nutrição não é um caso isolado. Jéssica Lomonte, para quem amamentar sempre foi um sonho, engravidou em 2020. Na época, ela fez um curso de amamentação e, por sete dias, pôde expandir seus conhecimentos sobre o tema. Quando Cannan nasceu, mãe e filho tiveram a tão sonhada hora dourada, mas a alegria não perdurou por muito tempo. Três horas após o nascimento, o bebê precisou ser levado para o hospital. “Saímos do conforto e do acolhimento da nossa casa direto para o inferno”.

Fonte: Instagram/ Jéssica e Cannan

Lomonte relatou que ela e o marido foram recebidos por uma pediatra excelente. Entretanto, a médica que assumiu o atendimento do bebê não estava preparada para lidar com a amamentação. Ela solicitou à enfermeira que fizesse a ordenha do leite, mas a tentativa foi em vão. Por isso, a profissional imediatamente sugeriu introduzir a fórmula, ideia que foi contestada pela mãe.

Durante três dias Jéssica ficou impossibilitada de amamentar. Para garantir a alimentação do bebê ela se deslocava ao hospital a cada 2h30 para ordenhar o leite. Após a alta, os desafios continuaram. Pessoas próximas sugeriram oferecer chupeta para dormir, mas a mãe se manteve firme no processo de amamentação sob livre demanda. 

Casos como o de Karina e Jéssica mostram o quanto é importante orientar não só as mães, mas também as pessoas que compõem a sua rede de apoio sobre a importância do aleitamento materno e os benefícios do leite para a saúde do bebê. Muitas mulheres são estimuladas por familiares, amigos e até profissionais da saúde a desistir da amamentação. Mas o leite materno segue sendo considerado o alimento mais completo por órgãos como a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

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