Estudante da Uesb é vítima de racismo no Condomínio Vog Fiori

Desde 1989, o racismo é um crime inafiançável que pode levar a pena de prisão entre um e cinco anos, dependendo da tipificação do delito 6 de abril de 2022 Da Redação

Thamires Fortunato, 29 anos, denuncia ter sofrido racismo no condomínio Vog Fiori, em Vitória da Conquista. Ela veio há 30 dias do Rio de Janeiro para estudar Cinema e Audiovisual da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e, nesta última segunda-feira (04/04), ao retornar ao local onde até então morava, foi impedida de entrar e teve o portão fechado em sua cara sem motivo. 

Ela relata que saiu do condomínio às 7h 55, como geralmente faz em dia de aula, pelo portão da garagem, que naquele momento, estava aberto. Ao notar que esqueceu um item no apartamento, 20 minutos depois de ter saído, retornou ao Condomínio para pegá-lo. Ao tentar entrar, foi abordada pelo porteiro que perguntou se ela residia ali. “Eu disse o meu nome e que era moradora no local, mas o porteiro alegou que não me reconhecia como moradora e fechou o portão, não me deixando entrar”, relembra.

Na foto, Thamires, que é uma pessoa não binário negra, aparece sorrindo

Thamires Fortunato veio do Rio de Janeiro ha 30 dias para estudar Cinema e Audiovisual na Uesb. Foto: Arquivo pessoal

A estudante telefonou então para a colega, com quem divide a residência, que desceu até a portaria e confirmou que ela era moradora do Fiori. No entanto, o responsável pelo portão fechou a janela da portaria, ignorando-as. A entrada de Fortunato só foi liberada com a chegada do síndico, Farley Brandão Santos. “Só que ele ficou relativizando o ocorrido e ainda citou a minha orientação sexual, sou uma pessoa não-binária e lésbica. Disse que a atitude do porteiro não se deu por eu ser “sapatão” e “preta”,  e sim por uma regra do local”. 

Entretanto, em vídeo gravado também na segunda-feira, é possível observar um morador branco que entra pela garagem sem ser interpelado. Segundo a estudante, entrar por esse local é comum no Condomínio Fiori. 

No mesmo dia, ainda pela manhã, a Polícia Militar foi acionada pela colega de Fortunato, que registrou um boletim de ocorrência policial, já que não houve um flagrante do crime de racismo, que, desde 1989, é crime inafiançável e  pode levar a pena de prisão entre um e cinco anos, dependendo da tipificação do delito . Nesse caso, a orientação dos agentes policiais foi de que ela formalizasse a denúncia com um boletim de ocorrência no Distrito Integrado de Segurança Pública (Disep), dando abertura a investigação sobre o caso. 

Entre o momento que sofreu a atitude racista no Condomínio e a manhã da terça-feira (05/04), a estudante contou que se sentiu hostilizada pela administração do Condomínio e sem nenhuma segurança para permanecer no local. “Eu passei a segunda-feira travada, bloqueada. Não consegui ir à aula, nem a uma entrevista de emprego que tinha. Fiquei muito transtornada. Por isso fui atrás de ir embora daqui. Eu vou ter um prejuízo muito grande, mas não consigo ficar aqui nessa situação.”

Nesta terça-feira (05/04), mesmo ainda estando com as chaves do apartamento no Fiori, a administração do Condomínio já tirou o nome dela da lista dos moradores. “Eu saí de lá ontem (dia 05/05), mas eu ainda tenho as minhas coisas. Só posso entrar agora com o pessoal da imobiliária. Estou sendo humilhada de várias maneiras”, desabafa

A administração do Condomínio Fiori, em nota assinada pelo síndico, informou que Condomínio repudia os atos denunciados pela estudante e que não tolera “caso de abusos morais ou qualquer tipo de discriminação”. Também salientou que o porteiro não cometeu nenhuma arbitrariedade e que ele somente seguiu as normas do Regimento Interno.  Confira a nota completa abaixo. 

 

A Avoador também entrou em contato com a empresa contratada para administrar o Condomínio, Dominium M&S, responsável pela contratação do porteiro, que é um funcionário terceirizado, para saber sobre o tipo de treinamento recebido pelo profissional. Até a publicação desta reportagem, nenhuma resposta havia sido enviada.

Racismo é estrutural

 O Brasil foi o ultimo país do Ocidente a abolir a escravidão. Em 13 de maio de 1888,  foi oficializado o fim da escravidão no país, com a assinatura da Lei Áurea. A lei foi resultado de muita luta do povo negro, que, apesar da conquista da liberdade, não teve uma real mudança na situação que vivenciavam. Não houve a preocupação do estado em dar acesso aos negros à educação, saúde, moradia, trabalho. 

Por conta dessa herança de descaso histórica, de acordo com a advogada da Comissão de Igualdade Racial da Ordem dos Advogados do Brasil, Subseção de Vitória da Conquista (OAB-Conquista), Maria Aparecida Carvalho, há no território brasileiro um racismo que é um problema estrutural. “Existe aqui uma estrutura de segregação racial que começou no período da escravidão, há mais mais de 300 anos, e com a Lei Áurea, não houve uma preocupação em inserir os negros na sociedade, o que contribuiu para a desigualdade social. Depois que essas pessoas, nossos antepassados foram jogados na rua, essa estrutura de que o povo preto é inferior continuou e vigora até hoje.”

O racismo estrutural gerado pela desigualdade social, educacional e econômica tem limitado e condicionado a vida dos negros no país.  “É como se por ser preto, você não pudesse ter uma coisa boa, não pudesse morar em determinados lugares. A estrutura coloca como se a pessoa preta precisasse estar em um lugar rebaixado”, aponta advogada, que manifestou apoio e coloco a Comissão da OAB-Conquista à disposição de Thamires Fortunato. 

Para combater o problema, em 1989, o Congresso Nacional aprovou uma lei que trata dos crimes resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.  Nessa lei, que serve para uma ação na Justiça, há uma diferenciação entre o crime de racismo, que é uma ofensa é contra uma coletividade, quando não há especificação do ofendido, e o de injúria racial que diz respeito a um confuta ofensiva direcionada a um indivíduo especifico. 

Foto destacada: Thamires Fortunato 

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