Golpe do link: 20 mulheres de Conquista têm fotos íntimas vazadas por criminoso virtual

Elas tiveram suas vidas expostas para desconhecidos da noite para o dia após clicarem em um link em suas redes sociais 10 de dezembro de 2022 Alice Santiago, Karen Alves, Lara Lins, Nadiane Santos e Sara Dutra

Era um dia normal, e ela abriu um link nas mensagens do seu perfil do Instagram. Por meio desse clique, um criminoso virtual conseguiu o acesso aos dados disponíveis em seu aparelho celular, entre as informações: o email que armazena as fotos pessoais tiradas pelo aparelho. Horas depois, uma mensagem avisava à vítima que sua intimidade poderia ser divulgada na internet, caso não pagasse R$5.000,00. Ela não pagou e sua vida se transformou em um filme de terror, daqueles que a vítima é aterrorizada sem saber quem é o seu algoz. 

Essa vítima, que pediu anonimato, e chamaremos de Verônica, é uma das 20 mulheres que, até o momento, já denunciaram terem passado pelo mesmo golpe do clique no link no Instagram, neste ano de 2022.  Em comum, elas têm a moradia em Vitória da Conquista, têm entre 14 e 25 ano (são jovens estudantes), o uso frequente das redes sociais, sendo algumas até influencer na cidade, e a tentativa frustrada de tentarem resolver o problema sozinhas. As vítimas também compartilham o trauma de terem a privacidade violada e o medo ao criminoso, que, até o momento, ainda não foi identificado pela Polícia Civil e mantém todo o material usurpado reunido em um site, que fica disponível a um clique. 

Segundo a SaferNet Brasil, organização não governamental que atua em parceria com o Ministério Público Federal, em 17 anos de atuação, as mulheres são as que mais têm fotos expostas nas redes, sem o consentimento. Segundo o levantamento de 2019, as mulheres são as que mais tiveram fotos expostas sem consentimento na rede. Elas representam 55% das vítimas.

Josefina e Mara, nomes fictícios, são duas vítimas que também contaram suas histórias.  Elas tiveram os dados roubados por meio do link como Maria, o diferencial é que para uma delas o criminoso pediu 10 mil dólares, e à outra, foram os amigos e conhecidos que avisaram do vazamento das fotos.  Além disso, as duas, além das fotos íntimas vazadas, tiveram também o perfil do Instagram hackeado e o criminoso conversando com amigos, como se fossem elas. 

Ao relembrar da história, Verônica revela sentimentos dolorosos: “Saber que todas essas pessoas viram fotos da minha intimidade fez com que me sentisse suja e insegura”.  Como ela, as demais demoraram para perceber que não eram as culpadas. “Foi necessário entender que somos vítimas e não fizemos nada de errado”, disse Mara.

Josefina vivenciou um episódio ainda mais perturbador. Um colega da sua escola criou um grupo no WhatsApp para compartilhar as fotos vazadas com outros estudantes. Já Mara ficou constrangida pelos julgamentos dos mais próximos, os familiares com quem convive diariamente.  Verônica pode contar com a família, que a aconselhou a desativar o aplicativo de mensagem WhatsApp. 

Maria e Mara estão em tratamento psicológico. As violações de privacidade que sofreram afetou a saúde mental das estudantes.  A primeira contou que, mesmo já fazendo terapia antes do ocorrido, passou a não conseguir  expressar seus sentimentos ao psicólogo. Eu não consegui falar tudo que estava sentindo, só quem sabe mesmo o que eu estava passando é o pessoal aqui de casa.” A segunda disse que foi preciso começar fazer terapia para saber lidar com a situação. “Era muito difícil ir para locais públicos no início, mas minha psicóloga me ajudou a perceber que eu estava no lugar de vítima nessa situação.”

Segundo uma pesquisa realizada pelo Grupo de Violência, Gênero e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) de Minas Gerais, a divulgação de imagens íntimas sem autorização afeta a saúde mental das mulheres, gerando  depressão, ansiedade, dificuldades de se relacionar socialmente, problemas de autoestima e até ideação suicida. A pesquisa, de caráter qualitativo, foi conduzida pela socióloga e pesquisadora Laís Barbosa Patrocínio, que ouviu 17 mulheres de 18 a 62 anos que vivenciaram a violência, de todas as regiões do Brasil, e 10 profissionais da saúde envolvidos nesse tipo de atendimento. Os depoimentos foram colhidos no segundo semestre de 2020. Das entrevistadas, pelo menos oito delas relataram ter procurado ajuda psicológica ou psiquiátrica após o evento. Para quem já tinha alguma predisposição emocional, a exposição da intimidade agravou ou desenvolveu doenças mentais.

Para a psicóloga especialista em psicanálise, Luciana Luz, contar com o auxílio de um terapeuta pode ser importante para encarar a violação da privacidade. “Em uma caso como esse, é importante que cada uma não seja cruel consigo, que não se julgue nem se deixe inferiorizar. O errado é quem divulgou as fotos sem autorização, não quem tirou fotos. É preciso não entrar em uma autopunição, se maltratando, como esse criminoso fez. É preciso se acolher”, orientou.

Investigação Policial

As três vítimas fizeram o boletim de ocorrência na Polícia Civil, duas no mesmo dia e uma um dia após o ocorrido. Durante mais de dois meses, não obtiveram nenhuma resposta sobre o caso nem uma informação sobre a investigação. Conseguiram então que uma reportagem fosse realizada na TV Sudoeste, que contou suas histórias. Segundo elas, só a partir daí, receberam alguma atenção, mas sem uma solução do caso. “A pessoa cometeu um crime com você e com mais vinte mulheres e, até agora, não aconteceu nada com ela, está de boa”, desabafou Verônica. “A sensação é que nunca vai resolver. Que só vai ter mais e mais vítimas!”, completou Mara.

O delegado do Departamento de Repressão, Furtos e Roubos da Polícia Civil, Ney Brito, informou à Reportagem do Avoador que o caso está sob investigação e que o inquérito segue em sigilo. Ele disse que a equipe policial de Conquista está realizando o trabalho em conjunto com a Delegacia de Crimes Cibernéticos de Salvador, já que a cidade não dispõe de uma  uma delegacia especializada nesse tipo de delito. “Não podemos dar mais informações sobre o caso para não interferir nas investigações.”

Lei brasileira e a violação da privacidade 

Os legisladores brasileiros, os deputados federais e senadores, têm criado leis de proteção a quem tem fotos íntimas vazadas na internet. Há diferentes tipificações para os crimes virtuais que as vítimas precisam saber para tomarem as providências necessárias. 

A lei 13.718/2018, sancionada em 24 de setembro de 2018, trata da divulgação de fotos ou vídeos íntimos sem consentimento, ou seja, aquele que divulga materiais íntimos, sejam fotos ou vídeos, sem a autorização registrada da pessoa estará cometendo crime.

A pessoa que divulgou o conteúdo não precisa necessariamente ter feito o registro, mas só o fato de compartilhar estará cometendo o delito.

Nesse tipo de crime, a pena é reclusão de um a cinco anos. Aumenta-se a pena em um terço a dois terços caso o crime seja praticado por quem tem ou já tenha mantido relação íntima de afeto com a vítima, ou até mesmo com o fim de vingança ou humilhação.

Outra lei é a 13.772/2018, de 19 de dezembro de 2018, que está relacionada a  tirar fotos ou fazer vídeos sem o consentimento. Quem fotografa ou faz vídeos íntimos sem consentimento da outra pessoa, está cometendo um crime. O conteúdo não precisa ter sido compartilhado com outras pessoas, porém só o fato de o registro ter sido feito sem a pessoa consentir é uma violação de direito. Nesse crime está incluído ainda a montagem em fotografia, vídeo, áudio ou qualquer outro registro com o fim de incluir pessoa em cena de nudez ou ato sexual ou libertino de caráter íntimo também responderá pelo mesmo crime.

Também existe a Lei 12.737/2012, mais conhecida como Lei Carolina Dieckmann, que é voltada para os crimes de invasão de dispositivo informático para divulgação de fotos e/ou vídeos íntimos de outra pessoa. A normativa surgiu, em 2012, após a atriz Carolina Dieckmann ter tido o seu celular invadido e fotos íntimas suas divulgadas na rede. O caso repercutiu em todo o Brasil e, por conseguinte, contribuiu para a criação de uma punição para quem cometer o mesmo tipo de crime com outras pessoas.

De acordo com a lei, “invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita” é crime passível de pena de detenção de três meses a um ano, e multa.

Como as mulheres são a maioria das vítimas de fotos íntimas vazadas na internet, principalmente por conta de casos de vingança e revanche de ex-companheiros, esse tipo de crime também se enquadra como violência doméstica e as vítimas podem recorrer à Lei Maria da Penha, se assim desejarem. Além disso, ameaçar divulgar imagens íntimas de outra pessoa já configura um crime.

No  caso das mulheres de Conquista, elas podem acionar a justiça utilizando de todas as possibilidades das leis existentes. De acordo com a advogada Nádia Cardoso, o ambiente virtual não é uma terra sem lei, existe uma legislação que pune crimes ali cometidos. 

Perigos da tecnologia

Durante os últimos anos, três fatores têm potencializado o aumento do vazamento de conteúdo íntimo. De acordo com a pesquisadora Laís Barbosa Patrocínio, o acesso à internet por meio dos smartphones e suas ferramentas de produzir fotografias e vídeos; o uso cada vez maior das redes sociais e aplicativos de mensagens; e o estímulo à publicação frequente nessas mídias. Isso tudo tem gerado novas práticas, como o envio de vídeos e fotos íntimas, que, no Brasil, é apelidado de “nudes”. Mas o erro não está em quem envia, mas naquele que divulga sem autorização. 

De acordo com a delegada do grupo de trabalho da Polícia Civil de Conquista, que é encarregado de apurar crimes virtuais, Taciane Oliveira, hoje, o que acontece é que os crimes antigos passaram para o ambiente virtual, tendo as redes como principal suporte. Nesses casos, ela recomenda que a vítima guarde as provas, como por exemplo,  registrar o momento em que tomou conhecimento da ocorrência, o dia e a hora, e nome do perfil do abusador. “E é necessário agir rapidamente para fazer o registro da ocorrência, e é sempre bom desconfiar de ofertas muito promissoras e, também, tomar cuidado com links, mesmo que compartilhados por amigos.”

Como já explicou o professor do curso de Ciências da Computação da Uesb, Hélio Lopes, em uma verificação de conteúdo da editoria Xereta, esse tipo de mensagem com link, que as mulheres receberam, é um phishing, um crime cibernético que usa fraude, truque ou engano para manipular as pessoas e obter informações confidenciais. A nomenclatura vem da palavra em inglês para pescaria (fishing), em alusão ao ato de “pescar” as informações pessoais das vítimas. “A melhor forma de se proteger contra phishing  é ignorar, apagar e bloquear o remetente, evitando, assim, que novos golpes sejam enviados ao mesmo número do aplicativo de mensagens.”

Hoje, existem dois termos vigentes que foram criados para as pessoas leigas em tecnologia não confundir “grupos” que atuam no mundo virtual. Hacker e Cracker são duas pessoas que possuem habilidades com computadores e sistemas informáticos. Porém, ao contrário do hacker que modifica softwares e hardwares de computadores para melhorar o sistema, o cracker pratica a quebra (ou cracking) de um sistema de segurança, de forma ilegal. No caso das fotos divulgadas sem consentimento, o correto seria chamar o criminoso de cracker. 

 

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