O mundo encantado do governo federal e o coronavírus
Enquanto o país enfrenta a pandemia do novo coronavírus, o presidente Jair Bolsonaro e seus ministros parecem ignorar a gravidade da situação e os efeitos da crise, como o desemprego que irá afetar as classes mais pobres 21 de março de 2020 Marcos TavaresO presidente eleito em novembro de 2018, Jair Bolsonaro, apresentava-se ao mercado como defensor do liberalismo econômico. Tão logo assumiu, implementou a contrarreforma da previdência e fez avançar as privatizações. Essas e outras medidas no ano de 2019 levaram a desaceleração da economia brasileira que cresceu apenas 1,1%, contra 1,3%, em 2018, no governo Temer. O pior, considerando o crescimento populacional do período estimado em 0,8%, podemos concluir que a economia praticamente estagnou no ano passado.
A crença na autorregulação do mercado do presidente Bolsonaro e seu ministro da economia, Paulo Guedes, estão promovendo estragos econômicos e sociais. A indústria continuou operando com ociosidade da sua capacidade produtiva próximo de 24%; milhares de empresas foram fechadas, a taxa de desemprego se manteve alta em 11,8% (2019), a informalidade bateu recorde, a renda média do trabalho principal foi de R$ 2.259,00, em 2019, contra R$ 2.283,00 em 2014.
Bem, esses foram os resultados da economia brasileira no ano de 2019 quando a economia mundial não sofreu com nenhuma grande crise e não tínhamos ainda a pandemia gerada pelo coronavírus. Agora estamos diante de uma pandemia que já tem repercussão nas principais economias do mundo e que aponta para um processo recessivo nos próximos meses. A duração dessa crise econômica, a princípio, está vinculada a dimensão e duração da pandemia. Os estragos vão depender da reação da população e dos governos, o livre mercado nada fará.
A cambaleante economia brasileira será atingida com mais fechamento de empresas e mais desempregados. O isolamento da população tende a ser maior nos próximos dias com implicações no consumo de bens e serviços. Apesar do que vem ocorrendo aqui e no mundo, o governo federal parece não reconhecer a gravidade do problema. O ministro da economia afirma que “o Brasil pode crescer entre 2,0% e 2,5% em 2020”, mesmo com a pandemia, pois “temos dinâmica própria”. Ele bate na mesma tecla desde 2018, privatizar e aprovar a contrarreforma, esse é o remédio.
Continuando com os sinais de que eles não estão nesse mundo, no último domingo (15/03), o próprio presidente descumpria as recomendações do seu ministro da saúde e também não apresentava medidas enérgicas de combate e controle a disseminação do vírus, a não ser o fechamento da fronteira com a Venezuela. Sim, para eles o problema é a Venezuela e mais recentemente passou a ser a China. Enquanto isso, os EUA impedem a entrada das pessoas que tenham estado na Europa nos últimos 14 dias, exceto os seus cidadãos. Vários países adotam medidas de controle nos aeroportos como a medição da temperatura para detectar febre.
Mais um sinal, esse vem da Bahia, aqui o governo federal, via ANVISA, não permite sequer que o governo baiano faça triagem dos passageiros no aeroporto internacional Dois de Julho. É inacreditável o que se passa no Brasil!
Parece que o presidente e o seu ministro da economia vivem em outro mundo, talvez no país das maravilhas, talvez em Marte ou quem sabe em Wall Street. ‘Não, em Wall Street é impossível’, reclamará o cidadão estadunidense alegando que lá o governo Trump abandonou a ideia da autorregulação do mercado e decidiu adotar as políticas de intervenção estatal de tipo keynesianas. Sim, é isso mesmo, o presidente dos EUA, Donald Trump, não só anunciou intervenção na economia com a injeção de mais de um trilhão de dólares, como afirmou que pode enviar para casa do cidadão um voucher (cheque) de US$ 1.000,00 (mil dólares), valor equivalente a cinco mil reais. Isso porque entende que a economia vai desacelerar em função do avanço da pandemia.
No mesmo sentido atuou o governo de Hong Kong. Na França, o presidente Macron falou que o país está em guerra contra o “coronavírus” e tomou medidas enérgicas como: fechamento de fronteiras; a suspensão da cobrança de alguns impostos para estimular a economia e manter os empregos; possibilidade de estatização de empresas; e a suspensão da cobrança de contas de água, gás e aluguéis.
E aqui no Brasil? Só na última quarta-feira, 18, o governo anunciou medidas econômicas. Várias delas nos parecem inócuas e destoam daquelas adotadas por seus pares em diversos países. Isso porque o ministro da economia se encontra preso a uma camisa de força ideológica e não consegue desapegar do liberalismo econômico, da paixão ao mercado e do ódio a Venezuela. Em função disso, ele coloca no pacote das políticas de combate ao coronavírus a privatização da Eletrobrás. Sim, isso mesmo! Também acredita que as medidas que retiram direito dos assalariados vão ajudar a combater o vírus, como as reduções de jornada e salários. Se assim fizer, a tendência é que a crise se agrave. Como já vem sendo feito em alguns países, o governo deveria adotar um programa de renda mínima para a população, mesmo que temporário, como forma de combater a disseminação do vírus, amenizar a crise social e evitar a paralisia da economia.
Depois de ser muito criticado, o governo federal resolveu apresentar um pacote de injeção de 147,3 bilhões de reais na economia, o equivalente a quase 29 bilhões dólares. Esse valor é 40 vezes menor que o anunciado pelo governo dos EUA para uma população que não chega a ser o dobro da brasileira. Também foi anunciado o voucher de R$ 200,00 por três meses para trabalhadores informais, valor este que certamente não será suficiente para os pagamentos de suas contas da farmácia, de alimentação, de água e energia. Vale destacar que dos 147 bilhões de reais, a maior parte é antecipação de receita.
Para se ter ideia do tamanho da preocupação do governo, o orçamento da saúde para 2020 é de R$136,25 bilhões, montante esse inferior em R$11 bilhões ao orçado para 2019; e R$14 bilhões menor do planejado para saúde em 2015 (corrigido pela inflação do período), anos estes quando não se falava em pandemia. Além dos R$136 bilhões orçado, o governo anunciou mais R$5 bilhões oriundos de remanejamento e R$2 bilhões do DPVAT. Ainda assim, o recurso planejado para saúde é inferior ao orçado em anos anteriores. Tudo leva a crer que o governo federal continua apostando que o mercado resolverá os nossos problemas.
Diante dos fatos, não é demais afirmar que os (as) brasileiros(as) tendem a sofrer com o avanço do coronavírus e com a forte crise econômica que se aproxima, estando no olho do furacão todos, especialmente os idosos, os mais pobres; os desempregados; os miseráveis; a população de rua; trabalhadores informais; os assalariados que precisam se submeter a transporte público superlotado; profissionais liberais e os microempresários que sofrerão com a queda na demanda. É certo que outras medidas além das anunciadas terão que ser tomadas pelo governo federal ou a crise se aprofundará, exceto para funerárias.
*Marcos Tavares é professor do curso de Economia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb).
Imagem de capa: Unsplash
Excelente texto, muito esclarecedor. Concordo plenamente que “o governo federal governo deveria adotar um programa de renda mínima para a população, mesmo que temporário, como forma de combater a disseminação do vírus, amenizar a crise social e evitar a paralisia da economia”. Parabéns Marcos Tavares