Em meio à covid-19, artistas locais ficam sem renda e pedem apoio do poder público
Artistas relatam as dificuldades que enfrentam durante o período da crise e pedem a parceria entre Secretaria Estadual de Cultura e a Prefeitura de Conquista 19 de maio de 2020 Felipe RibeiroCom as atividades culturais suspensas em todo o país durante a pandemia da covid-19, os artistas sofrem com a falta de políticas públicas para auxiliar a categoria durante o período de crise. Em Vitória da Conquista, cantores, músicos, atores, figurinistas e outros profissionais da área contam com a ajuda de amigos, o Auxílio Emergencial e as transmissões ao vivo nas redes sociais como alternativas no momento em que não podem interagir presencialmente com seu público.
De acordo com o produtor cultural Gilmar Dantas, integrante do Coletivo Suíça Bahiana, em qualquer lugar do mundo, a cultura é o primeiro setor afetado em situações de crise. “Esse é um mercado que, normalmente, não tem caixa para lidar com esses momentos críticos. É uma área que movimenta bilhões na economia brasileira, mas que não tem nenhum tipo de proteção.”
O show da banda Titãs, agendado para o dia 15 de março, foi o primeiro grande evento adiado em Conquista por causa do novo coronavírus. Além das apresentações maiores que movimentam a economia da cidade, os artistas locais, que vivem da música e cantam em bares, casamentos e aniversários, também tiveram seus shows, que são as principais fontes de renda, cancelados ou adiados.
A cantora Narjara Paiva, que há 14 anos trabalha com música em Conquista, realizava, antes da pandemia, entre seis a oito shows por semana. Com os bares fechados e os eventos que geram aglomerações proibidos, ela começou a fazer lives por meio de seu perfil no Instagram. “É uma situação que não tem saída, você acha de verdade que não tem saída. Nas lives, o público pode pagar o couvert como uma forma de me ajudar” , explicou.
A atriz, figurinista e maquiadora Shirley Ferreira também está em busca de meios para trabalhar e se sustentar durante a pandemia. Ela começou a vender, com desconto, peças de crochê que confecciona, mas tem planos de iniciar um projeto no meio digital fazendo o que ama. “Eu preciso pensar em uma maneira de me comunicar com as pessoas por meio do que eu sei fazer, que é a performance e o teatro.”
Além da venda do crochê, Shirley tem se sustentado com a ajuda da família e do Auxílio Emergencial que conseguiu ao se cadastrar como MEI (Microeemprendedor Individual), o que ela considera um avanço para os trabalhadores informais. “É fundamental para regularizar o trabalhador cultural e informal. Isso nos deu mais possibilidades de trabalhar numa empresa. Mas, ainda assim, a gente tem um histórico de desvalorização do artista cultural, por isso estamos à margem.”
A crise da covid-19 afetou também o São João, festa tradicional do Nordeste, que, no mês de junho, tem movimentado a economia da região e empregado muitos artistas. Em Conquista, o prefeito Herzem Gusmão cancelou o Arraiá da Conquista, seguindo a medida do governador da Bahia, Rui Costa, que proibiu os festejos em todo o estado. “No São João, temos uma quantidade de shows maior e mais bem remunerados do que a gente costuma ter durante o resto do ano, então, é um tempo muito esperado por nós músicos e artistas”, disse a cantora Narjara Paiva.
Medidas da Prefeitura
Por meio da Secretaria Municipal de Cultura, Turismo, Esporte e Lazer (Sectel), a Prefeitura adotou algumas medidas para auxiliar os artistas no período da pandemia. Uma delas é a facilitação do cadastramento no Auxílio Emergencial do Governo Federal. Na Casa Memorial Régis Pacheco, localizada no Centro da cidade, os artistas têm acesso a computadores e orientações sobre o procedimento.
O Conselho Municipal de Cultura iniciou uma campanha de arrecadação de alimentos que serão doados aos artistas conquistenses. As doações podem ser entregues na Casa Memorial Régis Pacheco ou a equipe da Sectel pode buscar na casa dos doadores.
A artista Andréa Christian, representando parte dos músicos da cidade, lançou uma Carta Aberta em resposta às ações da Prefeitura de Conquista. No documento, ela relata as dificuldades enfrentadas pela categoria, denuncia o fato de que nem todos conseguiram ser contemplados com o Auxílio Emergencial e cobra “uma parceria da Secult (Secretaria Estadual de Cultura) com o Governo Municipal e com a Secretaria de Assistência Social”.
“Talvez com essa parceria seja possível o repasse de verbas destinadas à Secretaria de Cultura, uma vez que todos os eventos estão suspensos, podendo, neste caso, perfeitamente tal verba ser destinada à concessão de alimentos, cestas básicas, medicações, fornecimento do mínimo para a nossa classe em geral”, diz um trecho da carta.
Nesta segunda-feira (18/05), o vereador Valdemir Dias (PT) realizou uma transmissão ao vivo em seu Instagram com a participação de Achiles Neto, cantor e compositor, Isadora Oliveira, musicista e idealizadora do “Festival Pra Cantar Junto”, Walter Lajes, cantor e compositor, e Vicente Di Paulo, ator e produtor cultural.
O vereador afirmou que tem um projeto para encaminhar ao executivo municipal sobre a situação dos artistas locais. Na próxima quarta-feira (20/05), o requerimento protocolado por Valdemir Dias (PT) deve ser votado. Algumas de suas propostas são a criação de um programa municipal de auxílio para garantir às pessoas que não possuem vínculos empregatícios formais, uma renda mínima; a ampliação dos recursos destinados ao fundo de cultura para garantir o apoio necessário ao setor cultural durante a pandemia; e a criação de um programa de apoio aos músicos, técnicos, produtores, artistas, que não poderão trabalhar durante o ano de 2020, como os forrozeiros.
No dia 26 de maio, será realizada uma audiência pública virtual para dar continuidade à discussão de medidas de apoio às pessoas que atuam no cenário artístico.
Medida alternativa
Enquanto não há o apoio do governo municipal, a artista Isadora Oliveira criou o “Festival Pra Cantar Junto”, uma série de transmissões ao vivo no Instagram com shows de músicos locais e regionais. O objetivo do projeto, idealizado em parceria com a Agência Yellow Comunicação, é aproximar os artistas do público, em meio ao distanciamento social, e arrecadar quantias em dinheiro por meio dos cachês solidários.
Segundo a organização, um dos principais desafios é realizar o festival 100% digital, desde o planejamento até a execução em pouco tempo. Na primeira edição do evento, foi criada uma lista com mais de 80 nomes de produtores, grupos instrumentais e cantores, e a programação contou com 39 artistas.
A segunda edição do “Festival Pra Cantar Junto” irá acontecer, entre os dias 28 de maio e 1º de junho, na página do festival no Instagram.
Foto de capa: Unsplash
Muito boa a matéria, texto claro e objetivo. Ruim é a situação abordada. Não está fácil para ninguém e para a classe artística bem pior.
Parabéns Felipe Ribeiro