Manifesto contra o assédio moral e sexual na Uesb reúne comunidade acadêmica e externa em busca de novas práticas na universidade

O manifesto virtual contra o assédio moral e sexual na Uesb e a leniência institucional continua aberto a adesões 13 de outubro de 2023 Mariana Martins, Raquel Soreira e Tereza Viana

Na noite da última segunda-feira (09/10), aconteceu a atividade  “Assédio Moral e Sexual na Uesb: um manifesto contra a leniência institucional”, no Salão do Júri, localizado do módulo II no campus da Uesb de Vitória da Conquista. A mesa do manifesto presencial reuniu, além da plateia, as integrantes do movimento contra a leniência institucional: as professoras Márcia Lemos, Maria Madalena Souza dos Anjos, Sofia Manzano e Luciana Santos Silva, e as  representantes externas Gisele Assis e Keu Souza. No transcorrer do evento, as assinaturas do manifesto virtual subiram de 60 a mais de 100, e ainda segue aberta para outras adesões. 

O evento foi organizado pelo Laboratório de Estudos Marxistas (Lemarx) e o programa extensionista Jornalismo como Forma de Transformação Social no Combate. De acordo com a professora Carmen Carvalho, que da ação extensionista, participou da organização do manifesto, o encontro possibilitou a discussão da problemática do assédio e suas consequências dentro da instituição. “Buscamos manifestar o descontentamento da comunidade acadêmica em relação à postura leniente da reitoria nos casos das denúncias de assédio moral dente sexual na instituição.” Já professora Márcia Lemos, também organizadora, destacou que é necessário reconhecer que universidade pública tem um papel social determinante, tem o compromisso de produzir conhecimento sobre a temática, mas acima de tudo, estimular uma nova sociabilidade e espelhar, na prática, o enfrentamento ao comportamento abusivo daqueles que dirigem a autarquia.

A abertura foi realizada por Carmen, que também é Coordenadora do curso de Jornalismo, Carmem Carvalho, que destacou aqui que, entre os denunciantes, estão  seis são mulheres, mulheres jornalistas. Ela também citou a pesquisa da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj),  de 2021, que apontou que 40% das mulheres jornalistas já sofreram assédio moral dentro das redações. “Por outro lado, essas mulheres não têm se calado, têm buscado a Fenaj e seus respectivos sindicatos para denunciarem tais violências. Sabemos o quanto é difícil denunciar e o quanto é complicado para as vítimas após realizarem a denúncia. Mas é preciso trazer à tona os fatos.” Ela também destacou a pesquisa realizada pela CNN sobre o quanto as universidades brasileiras podem ser hostis e lenientes no combate ao assédio. Entre  as universidades federais, nos últimos 10 anos, foram registradas 279 denúncias de assédio sexual de professores contra estudantes. Desse total, cerca de 20% resultaram em punições aos docentes e 100 casos foram arquivados. 

Em seguida, a professora Márcia Lemos assumiu como mediadora ao lado das demais convidadas, que já se encontravam  na mesa do manifesto. “Gostaria de registrar que é assintomático que essa mesa seja composta por mulheres. Mulheres que no espaço político, acadêmico, profissão tem feito a denúncias das diversas formas de violência contra as mulheres”, disse na ocasião.

A primeira a se manifestar foi a advogada, co-fundadora do Adotiva (Associação Brasileira de Pessoas Adotadas e membro da comissão do Direito da Criança e do Adolescente da Ordem dos Advogado do Brasil, Subseção Vitória da Conquista, Bahia, Gisele Assis. Ela ressaltou a negligência da instituição como perpetuadora do sistema opressor e de imunidade em casos de assédios. “É  triste que a Uesb, lugar conhecimentos científico, discussões sociais, políticas e filosóficas. Seja também a reprodução do machismo pautado na subjetividade, ataques forjados de supostas perseguições ou idoneidade de mulheres. E mas o protecionismo interno se faz na certeza da impunidade.”  

A segunda mulher a falar foi a graduanda do curso de História e representante do Conselho  da Mulher, Keu Sousa. Ela, enquanto mulher negra, expressou sua tristeza pela naturalização da opressão na instituição. “É angustiante sentir nossa impotência diante da persistência da estrutura machista e da misoginia. Essa estrutura promove a dominação masculina e hostiliza mulheres independentes, mulheres livres e capacitadas que ocupam espaços legítimos, expulsando-nos desses lugares.”

A diretora do Departamento de Ciências Sociais Aplicadas (DCSA) e professora do curso de Administração, Maria Madalena Souza, terceira convidada, salientou como o assédio moral afeta as vivências das pessoas, em específico como o sistema hostiliza a quem se levanta contra ele. “É importante a gente falar de como o assédio moral interfere na liberdade, dignidade e nos direitos da personalidade dos trabalhadores por meio de atitudes abusivas voltadas na degradação do relacionamento digno no ambiente de trabalho.”

Madalena também mencionou a relação entre os casos de denúncias de assédios e o adoecimento do indivíduo que enfrenta essas questões. “Quando pegamos os dados de assédio nas universidades públicas, vemos que  gradativamente ocorrem adoecimentos e afastamentos em decorrência de doenças psíquicas e psicológicas. O assédio moral é uma violência que impacta diretamente nestes indicadores.” 

A quarta integrante do manifesto, a professora do curso de Direito da Uesb, advogada e presidente da Ordem dos Advogados do Brasil, Subseção Vitória da Conquista, na Bahia. Luciana Santos. Ela trouxe reflexões sobre o quanto o combate ao assédio moral e sexual evoluiu pouco na universidade.. “Falar de assédio na Uesb é falar de assédio na sociedade brasileira, é falar de permanência e falar de poucas mudanças.” Ela também comparou a estrutura de administração da Uesb à essa sociedade brasileira, em que as mulheres estão excluídas dos cargos de poder, de decisão. “Quando a gente olha para cima, nós mulheres desaparecemos. Nós não estamos inseridas nesse meio majoritariamente, mas nos cargos que exigem o concurso público, como as de técnicas, analistas, professoras. Esses nós conseguimos galgar”.

A quinta manifestante da noite foi a professora do curso de Economia, ex-candidata à presidência da República em 2022 pelo PCdoB e autora do livro ” Economia Política para Trabalhadores”, Sofia Manzano. Ela discorreu sobre a materialidade dos casos de assédio e as relações de poder. “O assédio moral e sexual, seja nas relações de trabalho ou nas relações interpessoais, dentro de uma universidade pública, não são apenas questões éticas e morais, mas além disso, todo assédio é envolvido em questão material.” Segundo ela, o aspecto financeiro é considerado relevante, independente do papel do agressor, seja subordinado, colega, estudante ou professor. “Isso levanta a necessidade de discussões sobre os ganhos ou vantagens almejados pelos agressores, indo além de preocupações morais.”

Para finalizar, a professora Márcia fez costurou as falas anteriores, destacando os pontos mais importantes, e trouxe a questão do assédio corporativo, demonstrando como ele se infiltra nas relações dentro da estrutura universitária.  “O corporativismo precisa ser rompido em sua prática. Por isso, colegas estão sofrendo ataques. Estão sendo atacados porque ousaram romper com o corporativismo. Entender que esse vício é prejudicial para uma instituição pública é fundamental, embora romper com ele possa causar estranhamento. No entanto, temos orgulho de ter colegas que compreendem que o corporativismo não nos ajuda a avançar; pelo contrário, só traz prejuízos para a sociedade.”

Durante o manifesto, a Assessoria de Comunicação da Uesb soltou uma nota de esclarecimento que buscou defender seu compromisso contra o assédio moral e sexual e a importância de respeitar os ritos processuais no tratamento de denúncias. Também anunciou um plano de ação para esclarecimento, prevenção e combate ao assédio moral, envolvendo a comunidade universitária. “Reitoria está aberta a discussões para fortalecer sua história, que valoriza ciência, cidadania, inclusão e repúdio à discriminação e ao assédio.” 

Após as intervenções, a plateia também se manifestou. O primeiro foi o jornalista, Luiz Pedro Passos, que é um dos denunciantes de assédio moral na Uesb. Sua declaração comoveu o público e trouxe outra perspectiva para a narrativa do evento. “Represento a mim e as minhas colegas que estão aqui, Aline Ferraz, Andréa Póvoas e Mariana. Somos quatro vitimas desse estrutura de poder que, infelizmente, ainda machuca e causa dor nos corpos das mulheres mas também em corpos negros como o meu.” Segundo ele, não é fácil realizar denúncia. “Eu sabia que a universidade utilizaria da sua estrutura para me aniquilar, como fizeram neste ano de 2023. Eu quero agradecer a fala potente de todas essas mulheres que deram um exemplo grande de garra e de reconhecimento da nossa luta, e é isso que nós, jornalistas, precisamos fazer.”

Já a estudante de Economia, Zoé Meira, propôs a criação de núcleo com toda a comunidade acadêmica, no modelo de conselho, que pudesse ajudar estudantes, professores, técnicos e de todo o corpo da instituição para poder dar formações e suporte jurídico. “Também sugiro uma assessoria de imprensa para a proteção da imagem das vítimas,  podendo combater esse tipo de ação de maneira séria na universidade.”      

Quem também participou foi a escritora e jornalista egressa do curso de Jornalismo da Uesb, Giulia Santana. Ela escreveu o livro “Vozes”, que apresenta os relatos de universitárias que sofreram assédios sexuais em universidades. Em sua fala, chamou a atenção para a importância de dar visibilidade aos casos para que mais pessoas sejam encorajadas a fazer o mesmo. “Porque quem está aqui e lá fora, precisa saber o que acontece. Creio que a Uesb tem a capacidade de apoiar, o que a gente está vendo aqui hoje. O que a gente via seis anos atrás eram pessoas indo de denunciar desmotivadas, não acreditando que iria para lugar nenhum.”

As denúncias de assédio moral na Uesb, além de chegarem à Ouvidoria da instituição, foram divulgadas pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais da Bahia (Sinjorba), em 1º de março de 2023. O diretor regional do Sinjorba, Helinho Sitos, ratificou o comprometimento da entidade com a categoria profissional e a responsabilidade com as denúncias de assédio envolvendo os jornalistas do Surte. Também aproveitou para registrar os ataques sofridos pelo sindicato e seu presidente, Moacy Neves.

Outra participante da plateia foi psicóloga e vice-diretora do Departamento de Ciências da Saúde da Uesb, campus de Vitória da Conquista, professora Monalisa Barros, que foi uma das integrantes da Comissão de Sindicância que foi instaurada na Uesb  para investigar os casos mencionados de assédio moral. Ela citou os ataques contra a comissão e a falta de ética direcionada aos seus integrantes. ”Nós não escolhemos estar na comissão, mas nós fizemos um trabalho ético e que representava a própria Uesb. Em nenhum momento passou pela cabeça que a própria universidade iria nos desqualificar, quando nos descredibilizou ao defender o acusado e ao chamar a comissão de sensacionalista.” 

Por fim, a participação do público terminou com as falas do representante da Associação dos Docentes da Uesb (ADUSB), Jânio Roberto Diniz dos Santos, que salientou a posição da Adusb nos casos de assédio e como é importante a luta pelos direitos. Ele citou a nota da entidade que defende o enfrentamento a todos os tipos de assédios na instituição.

Nos últimos momentos do evento, Márcia Lemos, trouxe dados de pesquisas referentes à violência da mulher, que corrobora para um sistema que inibe as vítimas em um ambiente hostil e opressor. “Pensando historicamente, dois fatos me chamam atenção, um dado do Ipea registra que no Brasil, a cada dois minutos, ocorre um estupro. Se vocês fizerem a contabilidade do tempo de fala das colegas daqui da mesa, nós vamos poder contabilizar quantas mulheres estão sendo estupradas ao mesmo tempo que estamos falando de distintas formas de violência de gênero.”

O manifesto do dia 9 de outubro, no campus da Uesb, terminou com a declamação da poesia da poetisa e ativiista Noémi Sousa pela professora Márcia Lemos. 

[…] Vem com o teu cassetete e tuas ameaças,

Fecha-me em tuas grades e crucifixa-me,

Traz teus instrumentos de tortura

E amputa-me os membros, um a um…

 

Esvazia-me os olhos e condena-me à escuridão eterna… –

que eu, mais do que nunca,

Dos limos da alma,

Me erguerei lúcida, bramindo contra tudo: Basta! Basta! Basta!”

Até a publicação desta matéria, o manifesto contra o assédio moral e sexual na Uesb e a leniência institucional já tinha conseguido a adesão de 120 assinaturas. Segue o link da petição.

Confira:

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