“Tudo é monitorado”
Ex-jornalista e diretor de agência de estratégias digitais, Paulo Rebêlo, explica como o uso das redes sociais é explorado pelo mercado para captar consumidores no espaço virtual 24 de agosto de 2018 Afonso RibasSão mais de 120 milhões de usuários ativos de internet no Brasil atualmente, segundo relatório da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento. Em média, gastamos diariamente cerca de nove horas navegando na rede, sobretudo através de dispositivos móveis, em especial os smartphones. E desse total, chega a quase quatro horas o tempo que passamos nas redes sociais, conforme dados de um estudo realizado pela Agência We Are Social e pela plataforma Hootsuite, em 2017.
Mas a tendência de estarmos cada vez mais presentes nas redes sociais não é só dos internautas. É seguida também pelas mais diversas empresas ao redor do mundo, já que são nessas mídias que o mercado vê agora uma enorme oportunidade de captar consumidores para seus produtos e serviços.
Uma pesquisa realizada online entre outubro e novembro do ano passado pela Universidade Rock Content aponta que mais de 94% das empresas brasileiras utilizam as redes sociais. Destas, 62% avaliam que elas cumprem um papel muito importante para seus negócios, sobretudo o Facebook e o Instagram, as plataformas mais exploradas.
O alto número de anúncios que já costuma aparecer nas timelines dos usuários deixa isso evidente. Até pouco tempo atrás, eles quase não existiam. Por que, então, as redes sociais se tornaram esse ambiente fértil para o comércio? E como o nosso comportamento frente às telas dos aparelhos que nos conectam à internet influencia na publicidade que chega aos nossos olhos e ouvidos? Há quem diga que nós nos tornamos os verdadeiros produtos das redes sociais, e estas, vitrines comerciais.
Para o ex-jornalista e ex-programador Paulo Rebêlo, que atualmente dirige uma agência de estratégias e soluções digitais em Tecnologia de Informação e Comunicação (TIC), uma palavra resume todo esse cenário: “tecnologia”. Em entrevista ao Avoador, ele fala sobre o uso das redes sociais na atualidade, e como ele passou a ser monitorado e explorado por empresas para conquistar clientes.
Rebêlo é mestre em Gestão e Inovação de Mídia Internacional e em Políticas Públicas com especialização em Mídia e Comunicação. Atuou como jornalista entre 1997 e 2014, trabalhando como redator, revisor, repórter e editor de diferentes veículos jornalísticos. Depois de 22 anos na profissão, resolveu montar a Agência Paradox Zero. Em julho, ele esteve presente no lançamento do novo site do Avoador, quando ministrou curso sobre redes sociais para alunos do curso de Jornalismo da Uesb e profissionais da área.
Avoador: Como e por que as redes sociais passaram a ocupar certa centralidade no âmbito das relações interpessoais estabelecidas entre a grande maioria das pessoas?
P.R.: Talvez por um motivo simples: as redes ofereceram uma forma fácil, gratuita e muito objetiva de conectar muitas pessoas ao mesmo tempo, dentro de uma plataforma centralizada, que atende a diferentes públicos. Ou seja, consegue abraçar a maioria.
Avoador: Quais os impactos isso gera na sociedade?
P.R.: Acredito que os impactos reais ainda vamos descobrir. Acho que 10 anos para frente teremos estudos melhores e mais consolidados sobre esses impactos. Hoje, temos poucos subsídios e pouca continuidade, embora já saibamos que há uma série de impactos em curso: no mercado de trabalho, na comunicação entre as pessoas e principalmente na interpretação e entendimento da sociedade sobre valores e culturas.
Avoador: O que as tornam mecanismos tão eficientes de captação de consumidores para anunciantes e empresas ao redor do mundo?
P.R.: Em uma palavra: tecnologia. É com tecnologia que a gente consegue criar algoritmos desse nível e é com tecnologia que a gente consegue entender, interpretar, monitorar e trabalhar em cima desses algoritmos mesmo sem ter acesso às fórmulas.
Avoador: Elas nasceram com esse intuito ou isso foi percebido como oportunidade no decorrer do tempo?
P.R.: Um pouco dos dois. Sempre houve interesse em abrir novos mercados. E no decorrer do tempo, novas oportunidades foram surgindo. Inclusive, oportunidades de negócios e investimentos que não se pensava há dez anos.
Avoador: Qual é a rede social em que hoje isso se expressa de forma mais evidente e por quê?
P.R.: Facebook. E também por causa da tecnologia. É a única rede, ao menos até agora, onde realmente há um leque real de oportunidades para geração de negócios em praticamente todos os setores do mercado. Depois do Facebook, o Instagram.
Avoador: O que é o algoritmo e qual o papel que ele desempenha nesse mercado virtual?
P.R.: Algoritmo é uma receita de bolo. Tecnicamente falando, é uma série de instruções e procedimentos necessários para a resolução de uma tarefa. O que varia de algoritmo para algoritmo é o nível de complexidade desses procedimentos, o escopo de atuação, as bases de dados onde o algoritmo vai puxar as instruções e, evidentemente, a qualidade do código. É uma sequência lógica, finita e definida de instruções que devem ser seguidas de acordo com os objetivos de quem o escreve.
Avoador: Como o nosso comportamento durante o uso das redes sociais interfere no direcionamento dos anúncios que chegam até as telas dos nossos celulares e computadores?
P.R.: Tudo é monitorado. Desde antes de logar no Facebook, seu comportamento já está sendo monitorando para que seja gerado um perfil do seu tipo de consumo, comportamento e ações.
Avoador: Como esse comportamento é monitorado? E qual a relação entre o conteúdo que consumimos nas redes sociais e a publicidade que chega até nós através delas?
P.R.: Tudo. Não é apenas o que você curte ou compartilha, mas o que você visualiza, a frequência, regularidade, comportamento, links, outras janelas abertas, comunicação particular, mensagens etc.
Avoador: Como fica a segurança dos usuários nesse cenário?
P.R.: A segurança não é exatamente um problema para a maioria dos usuários. Em escala global, o agravante maior é a privacidade. E mesmo assim, apenas uma pequena parcela dos usuários realmente tem alguma noção sobre o quanto de privacidade se perde.
Foto: Arquivo/Site Avoador