Conquista ainda não tem uma política habitacional municipal

Na atual gestão, somente está programado via o executivo municipal o programa de moradias para os servidores públicos 20 de dezembro de 2023 Ana Paula Pereira, Bruno Bronze, Louise Melo e Nicole Prado

“Em 2014, em busca de emprego, deixei minha cidade natal, Itapetinga. Atravessei 101 km para trabalhar na colheita de café em Conquista. Após acampar em uma fazenda, conheci o pessoal do assentamento Santo Dias, que me ofereceu moradia lá no mesmo ano. Hoje, sou cozinheira em um restaurante. Os obstáculos pareciam intermináveis, mas nunca deixei de lutar pelo meu direito a um teto para chamar de meu,” contou a cozinheira e moradora do assentamento Santo Dias, em Vitória da Conquista, Giovanna Simões, 47 anos. 

Esse assentamento surgiu em agosto de 2005, quando cerca de 60 famílias passaram a fazer parte do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos (MTD). Eles ocuparam um terreno às margens do anel rodoviário  da cidade, próximo a Fábrica Dass, e o batizaram de acampamento Santo Dias, em homenagem ao metalúrgico brasileiro e membro da Pastoral Operária. Ele foi morto pela Polícia Militar quando comandava um piquete de greve em outubro de 1979, em São Paulo.  No momento, a comunidade aguarda o  processo de legalização judicial das propriedades.

Enquanto espera a regularização oficial, Giovanna sobrevive no assentamento de maneira precária. No local, há falta de infraestrutura básica, existem problemas para ter acesso à energia e água, não tem um posto de saúde próximo, as ruas não têm asfaltamento e o transporte público é limitado, com apenas três horários disponíveis por dia. “Quero ver isso aqui tudo asfaltado, mesmo que demore um pouquinho.”  Ela é mãe de dois filhos e avó de um neto, divide o lar com um dos filhos, e a filha ainda paga aluguel. Juntos, a família já enfrentou despejos e a constante ameaça de serem forçados ao lugar onde atualmente moram.  

“Os obstáculos pareciam intermináveis, mas nunca deixei de lutar pelo meu direito a um teto para chamar de meu.” Giovanna Simões – Moradora do assentamento do Santo Dias. Foto: Arquivo Pessoal

 O vereador por Vitória da Conquista, Alexandre Garcia Araújo,  mais conhecido como Xandó (PT), que antes de ser eleito, em 2020, atuou junto aos movimentos de moradia, tendo acompanhado o MTD (Movimento dos Trabalhadores do Direito) desde 2011, e atuado para a efetivação do direito pela via judicial e, atualmente, por meio de políticas públicas. Segundo ele, o assentamento Santo Dias é uma área de ocupação urbana com mais de 15 anos de existências.

“Eles buscam na justiça o usucapião, que é uma ação que proporciona a aquisição da propriedade para aqueles que mantêm a posse mansa e pacífica por uma determinada quantidade de tempo. Isso vai variar do tamanho da área, ser rural, ser urbano”, disse. “A partir disso, hoje, eles já fazem jus ao direito, ao usucapião, mas existe sim ainda um risco de despejo, haja vista que existem ações de reintegração de posse tramitando na justiça. Recentemente, ajudamos a comunidade a conquistar  o direito a ter ligações de água encanada via Embasa e a energia elétrica da Coelba. São pessoas fantásticas, trabalhadoras e muito conhecedoras dos seus direitos.”

Alexandre Xandó – Arquivo Pessoal

A vivência em assentamento é compartilhada também por Osmar Andrade,  mais conhecido por Negão” pela família e amigos. Ele tem 46 anos, é militante do MTD e ex-morador do assentamento Zumbi dos Palmares, também localizado no entorno do anel rodoviário, em Conquista. Os pais e o irmão de Osmar continuam morando na casa que foi construída no assentamento. Formado em pedagogia com  especialização em Educação no Campo, ele já foi educador popular. Segundo o militante, uma das primeiras ações do movimento na Bahia foi a ocupação em Conquista, em 2003, ao lado do Ginásio de Esportes Raul Ferraz, chamada “América Latina”, o que mostra que ocupações na terceira maior cidade baiana já é uma história antiga, uma história por moradia.

Segundo Osmar Andrade, uma das primeiras ações do movimento na Bahia foi a ocupação em Conquista, em 2003, ao lado do Ginásio de Esportes Raul Ferraz, chamada “América Latina”. Foto: Nicole Prado

Déficit habitacional

A pesquisa de mestrado de 2022, de Tânia Costa Silva, geógrafa e assistente social, revelou que o crescimento populacional em Conquista não foi acompanhado por políticas de moradias populares. De acordo com o Censo de 2022, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a população da cidade chegou a 370.868 pessoas, um aumento de 21,19% em comparação com a última pesquisa, realizada em de 2010. 

Entre 1997 e 2016, foram entregues 12 mil moradias, período dos governos do Partido dos Trabalhadores (PT), em Conquista. O programa Pró-Moradia, implementado de 2004 a 2014, entregou 119 unidades habitacionais distribuídas nos bairros Recanto das Águas, Corredor do Felícia e Santa Cruz. Os recursos vieram do Banco Mundial e da União. Em 2009, quando o governo Federal, com a presidenta Dilma Roussef, lançou o Programa Minha Casa Minha Vida, a cidade também foi contemplada com ações. Entre 2011 e 2014, 8.298 unidades habitacionais foram viabilizadas com a parceria entre o Programa Municipal de Habitação Popular (PMHP) e os governos Estadual e Federal. Foram entregues 22 conjuntos habitacionais, localizados próximos ao anel rodoviário. 

 A pesquisa da geógrafa também apurou informações sobre o Programa Municipal de Habitação de Interesse Social (PMHP). Segundo ela, as ações desenvolvidas foram fundamentais na distribuição de lotes e unidades habitacionais na cidade. Por meio do programa “Morar Melhor”  foram construídas 30 unidades financiadas pelo Programa de Subsídio à Habitação de Interesse Social (PSH) em Vila América, em 2000. Já o PSH, implementado entre 2004 e 2009, contemplou 900 unidades, com financiamento proveniente do Pró-Moradia, também localizado em Vila América. “Esses programas habitacionais foram relevantes para garantir a moradia para as famílias beneficiadas, mas não resolveram o problema habitacional em Conquista”. No momento, a cidade enfrenta uma crescente demanda por moradia, com milhares de famílias esperando por unidades habitacionais acessíveis”, disse.

“As ocupações, embora contestadas por uma parcela expressiva da sociedade, chegam como uma forma de resistência contra o sistema, refletindo a busca pelo direito à cidade.” Tânia Costa – Geógrafa, foto: Arquivo Pessoal.

 A reportagem do Site Avoador não conseguiu o número de casas entregues à população de baixa renda em Conquista dos últimos sete anos, período das gestões municipais de Herzem Gusmão (MDB) e Sheila Lemos (União). A Secretaria de Comunicação não respondeu aos questionamentos enviados. Em publicações em sites locais e do poder executivo, foi possível identificar a existência do programa habitacional para os servidores municipais  e que, em novembro de 2023, o governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva divulgou que 1, 8 mil casas seriam entregues na cidade via o programa federal Minha Casa Minha Vida. 

Já o professor de Direito Urbanístico, Ambiental e Agrário da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), Cláudio Carvalho, autor do livro  em entrevista à reportagem, informou que conseguiu junto à Prefeitura de Conquista,  na Secretaria de Desenvolvimento Social, a informação de que  há déficit habitacional de aproximadamente 18 mil unidade na cidade e que oito mil famílias de programas habitacionais, inclusive do governo federal, no Minha Casa Minha Vida, guardando serem contempladas com uma casa. “Esse programa foi retomado em 2023 pelo governo Lula, e a faixa um, que é para as famílias de um e dois salários mínimos, é a categoria que tem o maior déficit habitacional em Conquista.”

Para Cláudio, é importante dar visibilidade aos dados atuais, já que a cidade já teve um programa habitacional municipal, inclusive o Vila América, por exemplo, foi construído fruto desse processo. Segundo ele, o direito à moradia não pode e não deve ser somente uma responsabilidade do governo Estadual e do governo Federal, mas dos três níveis da administração pública. “Esse é um direito que está no artigo 6º da Constituição da República de 1988.”

Foto: Arquivo Pessoal – Cláudio Carvalho

Na pesquisa da geógrafa, realizada em Conquista, ela também identificou que as moradias populares já existentes necessitam de integração com outras comunidades e receberem infraestrutura, como o acesso à saúde, educação e transportes, para que os moradores possam se locomover a outros locais da cidade. “Os programas de moradia precisam ser continuados, ser uma política pública de estado, não de um governo específico”, explicou. A implementação desse tipo de serviço é a expectativa do professor Cláudio para unidades previstas do Minha Casa Minha Vida. “Espero que o governo municipal tenha uma sensibilidade maior para estabelecer a infraestrutura nesses locais. “Atualmente, há inclusive requisitos básicos referentes à água, esgoto, à iluminação pública e outras questões como escola e posto de saúde. É preciso o direito à moradia na sua plenitude em Conquista.”

A falta de programas de políticas públicas habitacionais durante anos também é um ponto que também ecoa nas críticas do vereador Alexandre Xandó (PT) durante a entrevista. 

Derrubada de barracos

O vereador Xandó (PT) e o professor Cláudio Carvalho, em artigo no site Brasil de Fato, denunciaram a política de despejos na cidade. Segundo eles, nos últimos anos, foram realizadas reintegrações de terrenos de áreas públicas nos seguintes locais: Maravilhosinha e Casulo (março de 2017); Cidade Bonita (dezembro de 2017); lixão do Vila América (fevereiro de 2021); Terra Nobre (junho de 2021 e novamente em março de 2022); Beija flor (junho de 2022), Cidade Bonita em abril de 2022, que não se concretizou por causa da mobilização popular, e loteamento Vila Elisa, em novembro também no ano passado.

“Ao invés de assistentes sociais e ambulâncias, os cortejos fúnebres são conduzidos por tratores e viaturas da polícia militar e da guarda municipal. Não existe um local permanente preparado para receber pessoas acometidas por essas situações (nem por desastres, como as chuvas de dezembro passado), e não há expectativa de futuro para os novos sem teto, haja vista que a política de habitação popular está parada”, escreveram vereador e professor no artigo.

Para Xandó, a Prefeitura de Conquista não tem uma política pública habitacional. “O que existe é uma política de derrubada de barracos e reintegrações de posse com força policial, muitas vezes violentas e sem suporte de apoio social. A derrubada de 200 casas na ocupação Cidade Bonita é um exemplo disso.”  Em relação ao poder legislativo, o parlamentar explicou as limitações existentes no cumprimento da função social. “Embora exista um código tributário que prevê a questão do IPTU progressivo, a aplicação disso depende do poder executivo. Apesar das indicações, cobranças e reivindicações serem constantes na Câmara de Vereadores, a efetividade das políticas habitacionais e de reforma agrária depende em grande parte da ação do poder executivo.” 

Xandó durante o processo de ocupação no Assentamento Dandara, em ação com as crianças do local. Foto: Arquivo pessoal

 A geógrafa salientou ainda que as ocupações, embora contestadas por uma parcela da sociedade, são uma forma de resistência contra o sistema, é uma maneira de buscar pelo direito à cidade. “O sistema atual parece não promover a emancipação dos cidadãos, pelo contrário, mantém a desigualdade mesmo dos que já têm um teto para morar. O problema habitacional no Brasil vai além do déficit de moradias e está enraizado nas limitações do poder público para lidar com essa complexa questão. Os mais pobres são explorados em benefício de interesses políticos e econômicos. As relações sociais, econômicas e políticas moldam o quadro urbano, excluindo uma grande parte da população dos direitos que deveriam ser inerentes a todos: à moradia e à cidade”, disse.  

Já o militante Osmar Andrade enfatizou a relevância da luta por moradia para a justiça social e econômica na região Sudoeste. Ele relembra quando alguns militantes se envolveram com o MTD, que já existia no Rio Grande do Sul, e iniciaram um trabalho voltado para o Zumbi dos Palmares, em Conquista. A escolha do nome para o assentamento foi feita em assembleia, seguindo a tradição de nomear acampamentos em homenagem aos lutadores que inspiravam na caminhada, Zumbi foi o escolhido.

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