Educação Sexual é fundamental no combate ao abuso sexual infantil

A Bahia é o quarto estado com mais casos de violência e exploração sexual contra crianças e adolescentes 27 de junho de 2022 Jessica Muniz, Lalume Carneiro, Marcos Paulo Ramos e Naiele Lopes

“Minha mãe ia trabalhar e deixava eu com uma mulher que abusava de mim, na época. Isso daí foi muito difícil”, revelou ex- BBB, Rodrigo Mussi em entrevista concedida ao programa Fantástico da Rede Globo, no dia 29 de maio. Os abusos começaram quando ele tinha apenas cinco anos e duraram quase três anos. 

Segundo ele, além das brigas entre o pai e a mãe e de ter sido expulso da casa por ambos, o abuso sexual é uma parte traumática da sua vida. Aos 36 anos, as lembranças da violência que sofreu ainda acompanham o ex-BBB. “Tenho algumas lembranças desse abuso. Umas das poucas coisas que eu tenho da infância. Não sei como que a gente cresceu.”

A jornalista Raquel Lemos também sofreu abuso sexual na infância. Em artigo publicado no site Avoador, ela contou que sofreu a violência aos sete anos e, até hoje, não esquece o que passou. “Ele tomou o meu corpo de mim. Eu me lembro das mãos ásperas e frias tocando o meu corpo de criança e o tom baixo de sua voz dizendo: “calma, não vou tirar nenhum pedaço”. Era assim que eu chegava em casa com notas de R$10,00 e R$20,00. Enquanto as outras crianças se alegravam com a bondade do homem que dava o dinheiro para o doce, eu entrava no meu quarto escuro e chorava com a cabeça coberta,” relembra. 

Os casos de Rodrigo e Raquel não são isolados, fazem parte da trajetória de milhares de crianças e adolescentes no Brasil. A história da menina de 11 anos em Santa Catarina, que precisou fazer um aborto, é mais uma tragédia violência sexual.  Levantamento realizado  pela Unicef (Fundo das Nações Unidas para a Infância) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), identificou que, entre 2016 a 2020, a cada cinco horas cinco crianças ou adolescentes foram vítimas de abusos no Brasil.  A Bahia é o quarto estado com mais casos de violência e exploração sexual contra crianças e adolescentes, atrás apenas de São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais. Em 2021, os registros no estado também cresceram 10,7% em relação a 2020. 

Na terceira maior cidade baiana, Vitória da Conquista, essa realidade de abusos contra crianças e adolescentes também se repete. De acordo a Prefeitura, em 2021, foram notificados e atendidos 472 casos. Desse total, 21 foram notificados pelo Disque 100; 156 pelo O Sistema de Notificação de Notificação (SINAN) do Ministério da Saúde; 148 pelo Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas) e 147 via conselhos titulares. Os dados coletados abrangem a faixa etária entre 1 e 19 anos.

Esse número de casos na cidade é ainda resultado de subnotificação. É o que afirmou a delegada da Delegacia da Criança e do Adolescente de Conquista, Rosilene Correia, durante sessão especial na Câmara de Vereadores, realizada em 18 de maio. “Denúncias de exploração sexual são poucas e isso não faz jus ao que acontece no nosso município. Quem são os autores desses crimes? Isso tem que ser levado a sério.”

Em geral, os crimes de abusos contra crianças e adolescentes são cometidos dentro de casa ou por conhecidos da família, como nos casos de Raquel e Rodrigo, Essa é a constatação da pesquisa do Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH), realizada nos cinco primeiros meses de 2021. Segundo os dados, os crimes são majoritariamente cometidos por pessoas da própria família – como pai, padrasto, tio – ou vizinhos ou conhecidos. O local também é familiar, o abuso ocorre dentro da casa onde reside a vítima e o agressor (48,3%), na casa do suspeito (20%), ou na casa da vítima (17,5%). Em menor quantidade, os crimes também podem se passar em ambiente virtual (2,8%), em via pública (2,3%), casa de familiares (1,7%) e até em instituições de ensino (0,8%).  Além disso, as pesquisas também identificaram que as violações, em sua maioria, não acontecem uma única vez. As vítimas são abusadas diariamente (63,3%) pelos agressores por mais de um ano (27,7%) ou seis meses (21,7%).

Para combater essas violências sofridas contra crianças e adolescentes,  foi instituído o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes. A data escolhida, dia 18 de maio, relembra o caso da menina de 8 anos, em 1973, em  Vitória, no Espírito Santo, que foi sequestrada, violentada e cruelmente assassinada. Seu corpo apareceu seis dias depois, carbonizado e os seus agressores nunca foram punidos. Após uma grande repercussão do caso e de forte mobilização social, o objetivo do dia se tornou uma tentativa de mobilizar a sociedade brasileira e convocá-la para o engajamento contra a violação dos direitos sexuais de crianças e adolescentes. 

Educação sexual

A violência sexual, vai muito além do estupro (23,5%), ainda que este tipo de violação seja é o mais frequente, há ainda, abuso ou importação sexual (23,1%), importunação sexual psíquica (21%), exploração sexual (17,7%) e assédio sexual (14,7%).  Para a psicóloga Hortência Pereira, que pesquisa desenvolvimento humano, educação e saúde, a educação sexual é um debate necessário para intervenção e prevenção desses tipos de abusos que colocam em risco a saúde de crianças e adolescentes, que, muitas vezes, estão em situação de vulnerabilidade pelo desconhecimento da violência que sofrem e/ou por falta de apoio. “A educação sexual nas escolas é uma forma de desenvolver e de consolidar a saúde pela abordagem das questões relacionadas ao direito das crianças e adolescentes entenderem o próprio corpo.”

A psicóloga Rita Almeida, especialista em saúde mental, complementa a colega, especialmente em relação às crianças. Segundo ela, é preciso ensinar, não reprimir crianças. “Ensinar que criança não beija na boca, assim como você ensina que criança não namora, ensina as partes do corpo que lhe são íntimas, que seu corpo deve ser respeitado. Esses limites do corpo são muito importantes.”

Essa educação sexual nas escolas pode seguir diversas abordagem a partir do público a ser trabalhado.  “É possível  promover espaços de diálogo, de escuta, para que crianças e adolescentes possam falar, colocar dúvidas, curiosidades e suas opiniões”, explicou Hortência. Uma das práticas para discutir sexualidade já aplicadas pela psicóloga é a caixa dos grilos. “Os adolescentes depositavam na caixa as suas dúvidas que deveriam ser tratadas em uma roda de conversa. Nessa dinâmica, havia profissionais para falar sobre os temas apontados pelos jovens.”

Hortência também cita o quanto a utilização de vídeos explicativos ou animações de linguagens acessíveis e livros podem auxiliar professores do ensino Fundamental e Médio nesse trabalho. O material a ser utilizado depende do público-alvo e do objetivo específico da conversa a ser realizada. Segue abaixo uma série de vídeos disponíveis no YouTube que tratam do tema de uma maneira divertidas e educativas.

Por meio da educação sexual a criança e até mesmo o adolescente vão conhecer o próprio corpo e entender os limites na relação com os outros. “Até a criança dizer que algo aconteceu em alguma parte do seu corpo, ela precisa entender que parte é essa. As partes íntimas fazem parte do corpo, e o ato de negação, em simplesmente não nomeá-los ou ignorá-los, só deixará a criança mais confusa com o próprio corpo,” disse Hortência. 

Esse esforço educacional deve ser coletivo, e envolve a família também. O pai e a mãe possuem um papel fundamental no processo educacional e também na identificação de abusos. “No olhar mais sensível, apurado, atento para a dinâmica que a criança tem demonstrado, manifestado em casa ou na escola”, explicou a psicóloga Hortência. Segundo ela, a criança que sofre uma violência apresenta mudança no relacionamento e na interação social, como alteração de comportamentos, a exemplo de estar mais introvertida, chorosa, irritada, desregulada no sono e  na alimentação. “A partir do momento que alguns desses sintomas aparecerem, em que alguma dessas características for identificada, os responsáveis devem adotar uma postura acolhedora e aberta para essa criança, no sentido de promover um ambiente seguro para sua fala e suas expressões”.

Já a Rita Almeida traz a questão das crianças imitarem os adultos e que há certas coisas interditadas para elas.  “As crianças têm sexualidade, e isso não é problema, mas o ato sexual está interditado para elas, e isso é importante. Não é porque as crianças imitam os adultos que não se pode ensinar a elas o que só podem fazer quando adultos. É comum que a criança beije um dos pais na boca e diga que está namorando com ele/ela. Cabe ao adulto dizer que ela não pode namorar, que criança não namora, que adultos não devem namorar criança.”

Centro de Atendimento em Conquista

Desde 1988, a proteção da infância é guardada pela Constituição Federal e outras legislações como o Estatuto da Criança e do Adolescente (Eca), além do Código Penal. A Lei da Escuta Protegida (13.431/2017) foi recentemente concretizada em Vitória da Conquista por meio da criação do Complexo de Escuta Protegida. O lugar fica localizado no Centro Integrado dos Direitos e do Adolescente, Rua Sifredo Pedral Sampaio, nº 847, Bairro Alto Maron.

Com o apoio do Fundo das Nações Unidas Para a Infância (Unicef) e da Childhood Brasil, o órgão foi inaugurado em agosto de 2021. A estrutura busca fornecer foi pensada com o objetivo de possibilitar um ambiente seguro para que a escuta especializada seja feita por profissionais capacitados e possa ser desenvolvida com as crianças, adolescentes, vítimas ou testemunhas de violências. Além do Complexo de Escuta, outras organizações também atuam na rede de proteção da região. Desde o Conselho Tutelar, ao Centro de Referência de Assistência Social (Cras), o Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas). 

Há ainda o Núcleo da Criança e do Adolescente da Polícia Civil, o Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente e o Núcleo de Defesa da Criança e do Adolescente, um projeto de extensão derivado da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb).

 

Como denunciar casos de abuso infantil

Há algumas formas de denunciar casos de violência sexual a menores de idade:

Como nos casos de racismo, homofobia e outras violações de direitos humanos, qualquer cidadão pode fazer uma denúncia anônima sobre casos abuso infantil pelo Disque 100. A denúncia será analisada e encaminhada aos órgãos de proteção, defesa e responsabilização em direitos humanos, respeitando as competências de cada órgão.

Depois de instalar o aplicativo gratuito em seu celular, o usuário rapidinho, respondendo um formulário simples, registra a denúncia, a qual será recebida pela mesma central de atendimento do Disque 100. Se quiser acompanhar a denúncia, basta ligar para o Disque 100 e fornecer dados da denúncia.

O usuário preenche o formulário disponível e registra a denúncia, a qual também será recebida pela mesma central de atendimento do Disque 100. Se quiser acompanhar a denúncia, basta ligar para o Disque 100 e fornecer dados da denúncia.

  • ONGs

Se for possível, procure Organizações que atuam para o combate ao problema, como o ChildFund Brasil e a Childhood Brasil.

A Safernet é uma organização social que recebe denúncias de crimes que acontecem contra os direitos humanos na internet, incluindo pornografia infantil e tráfico de pessoas.

O Conselho Tutelar é responsável pelo atendimento de crianças e adolescentes ameaçados ou violados em seus direitos. Pode aplicar medidas com força de lei. A denúncia pode ser feita por telefone ou pessoalmente, na sede do conselho. Encontre o telefone do Conselho Tutelar mais próximo digitando “Conselho Tutelar + o nome do seu município” no Google. Em Vitória da Conquista, a Prefeitura disponibiliza os endereços. 

Os Centros de Referência de Assistência Social (Cras) realizam o atendimento em atenção básica à população em geral, e os Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas) oferecem o atendimento de média complexidade, que inclui o atendimento psicossocial a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual. Acesse o site do Ministério da Cidanania, localize as unidades por Estado ou município. Creas de Vitória da Conquista também está disponível no site da Prefeitura.

  • Ministério Público

Responsável pela fiscalização do cumprimento da lei. Os promotores de justiça têm sido fortes aliados do movimento social de defesa dos direitos da criança e do adolescente. Todo Estado conta com um Centro de Apoio Operacional (CAO), que pode e deve ser acessado na defesa e garantia dos direitos das crianças e dos adolescentes. No site da Childhood Brasil você encontra o contato do MP de todos os estados brasileiros.

Foto arte: Bruna Alcantara (@brunaalcantara.00 )

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